segunda-feira, 30 de maio de 2016

Irmã de Fernando Santa Cruz, morto pela ditadura militar, representa ao Conselho Nacional de Justiça

Exmo. Sr. Corregedor Geral de Justiça:

ROSALINA DE SANTA CRUZ LEITE, qualificada na procuração anexa (doc. nº 1), vem, com fundamento nos artigos 8º, inciso I e 78 do Regimento Interno desse Conselho Nacional de Justiça, apresentar a Vossa Excelência uma representação por excesso de prazo relativa ao Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX, do Supremo Tribunal Federal, como segue exposto:

Fernando Santa Cruz
1. – O irmão da Reclamante, FERNANDO AUGUSTO DE SANTA CRUZ OLIVEIRA, consta como um dos 434 desaparecidos e mortos durante o regime militar, segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (doc. anexo nº 2). Ele foi visto pela última vez pela sua família em 23 de fevereiro de 1974, quando tinha 26 anos.

2. – Em 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, demandando que a Corte Suprema interpretasse a Lei nº 6.683, de 1979, a fim de deixar explícito que, entre outros, os crimes de homicídio, sequestro (desaparecimento forçado), abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor, praticados contra opositores ao regime político então vigente, não haviam sido abrangidos pela anistia determinada por aquele diploma legal (doc. nº 3).
Em 30 de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria, improcedente aquela ação.

3. – Tal decisão provocou uma reação negativa na esfera internacional, pois teve por objeto delitos considerados crimes contra a humanidade, insuscetíveis de anistia e prescrição, conforme assentado em várias declarações e tratados internacionais.
Em 24 de novembro de 2010, ao condenar por unanimidade o Brasil pelas graves violações de direitos humanos, cometidas por agentes militares durante a chamada “Guerrilha do Araguaia” (caso Gomes Lund e outros v. Brasil), a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu:

“As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana, ocorridos no Brasil.”

4. – Sucedeu, no entanto, que o Acórdão ADPF nº 153 apresentou uma grave omissão. A Lei nº 6.683, de 1979, declara textualmente, em seu art. 1º, que a anistia por ela determinada abrange
“todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”.
Ora, como é fartamente sabido, os crimes de sequestro ou cárcere privado (Código Penal, art. 148), bem como de ocultação de cadáver (Código Penal, art. 211) são considerados permanentes, ou seja, não consumados, enquanto não aparece o sequestrado ou se descobre o cadáver. O art. 111, inciso III do mesmo Código Penal determina que “a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr, nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência”.
Era evidente, portanto, que o Supremo Tribunal Federal deveria se pronunciar sobre essa questão, concernente à inclusão ou não dos crimes de sequestro de pessoas (desaparecimento forçado) e de ocultação de cadáver no âmbito da anistia determinada pela Lei nº 6.683. Mas ele não o fez.

5. – Diante dessa flagrante omissão do julgado, em 16 de março de 2011 o Conselho Federal da OAB interpôs do citado Acórdão o recurso de embargos de declaração (doc. anexo nº 4).
É de se ressaltar o que determina a respeito dessa espécie de recurso o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, em seu art. 337, § 2º:
“Independentemente de distribuição ou preparo, a petição será dirigida ao relator do acórdão que, sem qualquer outra formalidade, a submeterá a julgamento na primeira sessão da Turma ou do Plenário, conforme o caso”.
Pois bem, mais de ano após a data de interposição dos embargos declaratórios, ou seja, em 22 de março de 2012, o Supremo Tribunal, em sessão plenária, deliberou por unanimidade adiar o julgamento do recurso por uma sessão. Repita-se: por uma sessão apenas (doc. anexo nº 5).
No entanto, até hoje, passados mais de 4 (quatro) anos dessa decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Relator não pôs o recurso em julgamento, nem deu explicações sobre isso.

6. – É irrecusável estarmos diante de autêntica denegação de justiça, tradicionalmente considerada como violação de um direito fundamental da pessoa humana. O artigo VIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é explícito a esse respeito:
“Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.
7. – Por outro lado, a demora injustificada no julgamento dos embargos declaratórios representa, incontestavelmente, uma lesão a vários preceitos fundamentais da Constituição Federal, como se passa a demonstrar.

8. – Conforme dispõe o art. 5º, inciso XXXV da Constituição, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Ora, se nem a lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, é mais do que óbvio que o próprio Poder Judiciário não tem a menor legitimidade para impedir ou retardar indefinidamente essa apreciação. Escusa dizer que, com o passar do tempo, todos aqueles, responsáveis pelo cometimento de crimes contra a humanidade durante o regime militar, estarão mortos. Foi, aliás, o que sucedeu com o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, considerado o maior torturador durante aquele período do regime de exceção.

9. – E não só isso. No inciso LXXVIII do mesmo art. 5º, a Constituição determina sem ambiguidades:
“A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Pergunta-se: – É razoável que o Sr. Ministro Relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, sem qualquer explicação, deixe de cumprir a regra constante do art. 337, § 2º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal? É admissível que ele tampouco dê cumprimento à decisão tomada à unanimidade pelo Tribunal, na sessão de 22 de março de 2012, de adiar o julgamento por uma sessão apenas?

10. – Acontece que a omissão de julgamento no citado processo não violou apenas a Constituição Federal, mas também normas constantes da Lei Orgânica da Magistratura, como se passa também a demonstrar.

11. – Escusa lembrar que o Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão do Poder Judiciário, submete-se, em seu funcionamento, às disposições da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979). Basta verificar que o art. 1º desse diploma legal é explícito ao declarar que o Poder Judiciário é exercido, entre outros órgãos, pelo Supremo Tribunal Federal. O art. 2º do mesmo diploma legal, referindo-se diretamente a ele, reproduz a norma constante do art. 101 da Constituição Federal; e os artigos 22 e 34 reafirmam, da mesma maneira, normas constitucionais respeitantes ao Supremo Tribunal.
Ora, no inciso II de seu art. 35, dispõe a Lei Orgânica da Magistratura Nacional constituir dever dos magistrados 
“não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar”. 
Porventura, seria admissível interpretar essa norma, no sentido de que ela só se aplica aos juízes de primeira instância e não aos magistrados membros de tribunais, especialmente aos Ministros do Supremo Tribunal Federal?

12. – Diante disso, em 16 de junho de 2015, foi proposta no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 350 (doc. anexo nº 5), na qual se pediu que o Tribunal determinasse o imediato julgamento dos embargos declaratórios, opostos ao Acórdão que julgou a ADPF nº 153.
A ação foi distribuída ao Ministro Dias Toffoli que, em 19 de agosto de 2015 decidiu monocraticamente não conhecer da ação. O Autor da demanda apresentou dessa decisão o recurso de agravo regimental, que até o presente não foi levado a julgamento.

13. – Em conclusão, pelas razões expostas fica evidente que, esgotadas as instâncias ordinárias, só resta à Reclamante pedir a esse Egrégio Conselho que tome as providências necessárias para sanar o atraso flagrantemente antijurídico do Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux, de pôr em julgamento os embargos declaratórios, apresentados ao Acórdão que julgou a ADPF nº 153, no Supremo Tribunal Federal.
Brasília,

pp. Fábio Konder Comparato
OAB-SP nº 11.118
 Pedro Banwart
 OAB-DF nº 26.798

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Comissão da Verdade de PE consegue na justiça retificação do registro de óbito do geólogo Ezequias Bezerra

Ezequias Bezerra da Rocha
A juíza de Direito da 11ª Vara de Família e Registros Públicos do Recife, Patrícia Rodrigues Ramos Galvão, no processo Nº 0007632-07.2015.8.17.0001, proferiu sentença favorável a retificação do registro civil de óbito do geólogo Ezequias Bezerra da Rocha. Na certidão constará como a verdadeira causa da morte choque decorrente de traumatismo cranoencefálico e do tronco e ferimento penetrante de abdômen, respectivamente, por instrumento contundente e pérfuro-cortante. A Ação de Retificação de Registro Público foi proposta, em 13/02/2015, por membros da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, que representam Ednaldo Bezerra da Rocha (irmão da vítima). Ezequias morreu no dia 12 de março de 1972. O caso dele é um dos 51 que compõem a lista preliminar de mortos e desaparecidos políticos pernambucanos e que são alvo de análise da CEMVDHC.

“O Estado de Pernambuco, através de procedimento administrativo, reconheceu a sua responsabilidade civil em razão de atos ilícitos praticados por seus agentes em face do falecido durante o período de exceção, bem como concedeu aos familiares daquele indenização ... assim sendo, considerando arcabouço probatório nestes autos e a favorável manifestação da Representante do Parquet....acolho o pedido , determinando que seja retificado o assento de óbito...”, concluiu Patrícia Ramos Galvão.

Morte esclarecida pela CEMVDHC – em 03 de dezembro de 2013, depois de 41 anos, os membros da Comissão da Verdade de PE apresentaram documento inédito com resultado do laudo tanatoscópico realizado no corpo do geólogo Ezequias Bezerra da Rocha, morto aos 28 anos de idade, em 12 de março de 1972. Os detalhes da localização bem como da importância deste documento foram revelados à sociedade durante coletiva. O laudo tanatoscópico e a cópia do ofício de remoção do cadáver de Ezequias Bezerra da Rocha foram encontrados no acervo do Instituto de Medicina Legal (IML-PE). Os documentos desmentem a versão oficial de suposto tiroteio entre integrantes do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e as forças de repressão do período. O laudo comprova que Ezequias foi submetido a torturas e não resistiu. “Sabíamos que ele tinha sido sequestrado, preso e torturado, mas o detalhe da autópsia é que é extremamente traumático”, disse o irmão, Ednaldo Bezerra. “Com este laudo desmontou-se completamente a versão de que Ezequias teria sido sequestrado pelos companheiros na noite seguinte a de sua prisão. Ou seja, menos de 24h do momento em que foi detido, o estudante morreu em decorrência da violência que sofreu conforme comprova laudo do IML”, analisou Nadja Brayner, relatora do caso.

Primeira Versão


Ezequias teria sido morto em suposto tiroteio na cidade universitária, entre integrantes do PCBR, em 12 de março de 1972.

Ele saiu de casa e nunca mais voltou

No dia 11 de março de 1972, por volta de 01 hora da madrugada, Ezequias voltava para residência, no bairro de Casa Amarela, acompanhado da esposa, Guilhermina Bezerra, quando foi abordado por homens armados de metralhadoras. Ele teria sido levado à prisão (dependências do DOI-CODI do IV Exército) e ficado em uma cela ao lado da companheira (hoje falecida) que contou em depoimento ouvir as torturas. E depois ele sumiu. Para Guilhermina, os carcereiros contaram que não havia nenhum Ezequias preso lá. O que foi divulgado é que Ezequias teria sido libertado do cárcere por companheiros de militância, conforme relato do delegado Redivaldo Oliveira Acioly, da Delegacia de Segurança Social.

No dia seguinte, um corpo foi encontrado na barragem de Bambu, Engenho Massauassu, Escada. Identidade desconhecida. Com muitas marcas de agressões e tortura. Em documento, assinado pelo delegado à época, Bartolomeu Ferreira de Melo, o cadáver tinha “mãos e pés amarrados de corda, envolto em uma rede também de corda, com uma pedra de 30 quilos atada ao corpo”. A família jamais fez o reconhecimento

Somente em 1991, após localização do laudo datiloscópico (contendo as impressões digitais) foi possível a confrontação e a confirmação de que o corpo encontrado em Escada era o de Ezequias Bezerra da Rocha.

Fonte: Assessoria de Imprensa - CEMVDHC

terça-feira, 10 de maio de 2016

Concerto para Manoel Lisboa reúne mais de 500 pessoas

Foi um grandioso tributo! O palco, histórico, não poderia ser mais simbólico. De onde Castro Alves lançou brados de poesia pela liberdade, em 1865, esta mesma liberdade voltou à cena sob o nome de Manoel Lisboa de Moura neste 7 de maio de 2016.
O Teatro de Santa Isabel, no Recife, viveu uma noite especial. Os mais de 500 espectadores que o lotaram e as belíssimas apresentações renderam uma grande homenagem (seguramente, a maior já realizada no Nordeste) a um militante revolucionário herói da luta contra a Ditadura Militar no Brasil.

O “Concerto para Manoel Lisboa – Pela Memória, Verdade e Justiça” marcou também o início das comemorações dos 50 anos do Partido Comunista Revolucionário (PCR), fundado em 1966 por iniciativa de Manoel, Amaro Luiz de Carvalho, Valmir Costa, Selma Bandeira e Ricardo Zarattini.

Organizado pelo Centro Cultural Manoel Lisboa e pelo jornal A Verdade, o Concerto contou ainda com a parceria da Secretaria de Cultura do Recife, Superintendência dos Correios e Telégrafos, DCEs da Unicap e da UFRPE, União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (Uespe), Movimento Tortura Nunca Mais-PE, Comitês Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte e diversos movimentos sociais (MLC, MLB, Olga Benario).

José Nivaldo Júnior
Coube ao escritor e publicitário José Nivaldo Júnior abrir a noite com um forte e emocionado depoimento de sua convivência com Manoel Lisboa nos tempos de clandestinidade, em que enfatizou a completa entrega de seu camarada à luta para derrubar a Ditadura, fortalecer o Partido e mobilizar o povo para a construção do socialismo, mesmo sofrendo as mais terríveis torturas nas masmorras do regime em Recife, até sua morte física no dia 04 de setembro de 1973.

Júnior Aguiar declamou A Internacional







Seguiram-se então vários momentos, intercalados por poesias revolucionárias recitadas por jovens militantes. 












Foi lançado o selo comemorativo dos Correios
em homenagem a Manoel Lisboa

 
Alfredo Lisboa


No lançamento do selo comemorativo dos Correios em homenagem a Manoel Lisboa, sua família foi representada por Alfredo Lisboa (sobrinho de Manoel). 



Luiz Falcão, de A Verdade


Neste momento, falou Luiz Falcão, do Comitê Central do PCR e diretor de redação de A Verdade, ressaltando que “o mais importante agora é que cada um de nós busque seguir o exemplo do camarada Manoel para que, de fato, possamos viver num País justo, livre da exploração capitalista”.

 

Banda Guazapa
A programação seguiu com o Coral dos Correios, cantando clássicos do cancioneiro político nacional de Chico Buarque e João Bosco, entre outros; com a Banda Guazapa, cantando músicas latino-americanas, como Te recuerdo Amanda, de Victor Jara, que fala do amor proletário desta com Manuel.





Hilda Torres, acompanhada por Márcio




O ápice do evento ficou por conta da apresentação da atriz Hilda Torres, com seu monólogo para Soledad Barret, militante também assassinada pela Ditadura, que ao final, transformou-se num grito pela justiça e pela liberdade, levantando toda a plateia em aplausos e gritos. Apresentaram-se ainda o grupo estudantil da Escola Técnica Professor Agamenon Magalhães (Etepam), que desenvolvem o projeto “Adote uma Memória”, encenando e cantando, inclusive, a música Hasta Siempre Comandante, de Carlos Puebla para Che Guevara.

Edival Cajá, do CCML
Para acrescentar neste inesquecível ato político-cultural, Edival Nunes Cajá, do Comitê Central do PCR e presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa, subiu ao palco para reafirmar que o último pedido de Manoel Lisboa, para que os militantes do PCR prosseguissem com o trabalho do Partido, está sendo cumprido fielmente nos quatros cantos do Brasil. “Uma das maiores provas disso é que temos aqui neste ato representações do Rio Grande do Sul ao Amazonas, uma grande bancada de companheiros e companheiras do MLB, que organiza o povo pobre deste País para lutar por seus direitos, sindicalistas e jovens, homens e mulheres cujo sonho é viver num mundo novo, socialista”.



Um coral de militantes, regido pelo maestro Geraldo Menucci, autor do Hino das Ligas Camponesas, finalizou a noite com A Internacional, hino do proletariado mundial, acompanhado de pé por toda a plateia. Na saída do teatro, ecoavam a palavra de ordem “Se nota, se sente, Manoel está presente”.