CARTA DE JOÃO PESSOA
Reunidos no estado da Paraíba, onde resistiram e tombaram contra a
ditadura e a favor de bandeiras
como
direitos
humanos
e
socialismo:
O 9o Encontro de Comitês e Comissões de Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste, após produtivos e profundos debates em defesa da justiça de transição, reafirma o nosso compromisso com o legado de Elizabeth Altina Teixeira, líder camponesa, mulher centenária que nos ensina a continuar na luta, construindo a memória coletiva dos homens e mulheres que ao longo dos anos resiste às inúmeras tentativas de implantação de um Estado fascista em nosso país.
Reafirmamos a necessidade da criação e instituição de um órgão de estado com a finalidade de fazer cumprir as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) já postas desde 2014, visto que a impunidade gera a repetição das velhas práticas e mostram a face mais explícita e sem pudores do sistema capitalista. É consenso que a falta da aplicação dessas recomendações é condição fundamental para a viabilidade dos eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023 no qual golpistas, com apoio das Forças Armadas, tentaram solapar a ainda frágil democracia brasileira. Assim sendo, exigimos punição exemplar e rigorosa a todos os golpistas, sejam executores, financiadores, apoiadores e participantes dessa intentona fascista.
Repudiamos o persistente genocídio da população pobre, negra e periférica perpetrado pelas forças policiais estaduais, aparato que mantém a sua herança ditatorial, servindo como força auxiliar das Forças Armadas e compartilhando com ela a função de combate ao inimigo interno. Também repudiamos as constantes ameaças e assassinatos aos povos originários e a violência continuada contra trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, também um padrão mantido e aprofundado pela Ditadura e preservado após a redemocratização. Denunciamos que, movidos pela certeza da impunidade, agentes do Estado continuam praticando torturas em delegacias, presídios e outras tantas instituições públicas, assim como nas ruas, vielas e terrenos baldios das periferias. Exigimos das Forças Armadas não só um pedido oficial de desculpas à nação brasileira, mas, principalmente, que seja levado a cabo uma reforma militar que acabe com a velha doutrina da ditadura e revogados os entulhos autoritários dentro das corporações militares.
O cenário de comodidade institucional da extrema direita é patente e se manifesta de várias formas, uma delas é a perseguição e tentativa de cassação de mandatos como os dos companheiros Glauber Braga (Psol) e Renato Freitas (PT), processos postos em curso e que não são devidamente combatidos de modo contundente e aberto pelo conjunto do campo governista.
Não deixemos de mencionar o caráter fascista do cenário internacional com o avanço de partidos de extrema direita na Europa. É preciso também enfatizar a empreitada colonial e genocida – endossada e alimentada pelo imperialismo estadunidense – que o Estado nazifascista de Israel tem posto em curso, sob o pretexto de combater o terrorismo, repetindo o Nakba (Catástrofe), ocorrido em 1948, quando o povo palestino teve suas propriedades e meios de sobrevivência expropriados pela força das armas para a implantação do Estado de Israel. Em ambas ocasiões, foram processos marcados pela violação de direitos humanos e inação intencional do conjunto de governos nacionais e instituições internacionais.
Consideramos inaceitável o Supremo Tribunal Federal (STF) não ter realizado a reinterpretação da Lei da Anistia (1979). A revisão e reinterpretação é necessária para que haja possibilidade de resolver a dívida para com a sociedade brasileira, estabelecendo um avanço real rumo à justiça efetiva para com as vítimas e familiares das vítimas das violações sistemáticas de direitos realizadas por torturadores e assassinos do Estado militar fascista ocorrido no Brasil. A manutenção da interpretação em vigor da Lei de Anistia é condição que alimenta a reprodução da tutela militar da democracia brasileira, possibilitando que mesmo depois de mais de 30 anos de abertura democrática um conjunto de oficiais militares e setores das Forças Armadas se mobilizem para intervir diretamente na regularidade democrática, como em casos de endosso a movimentações, articulações e falas públicas de seus oficiais sobre a confiabilidade dos processos eleitorais, ou mesmo no caso de insinuações públicas ameaçando com possíveis reações ante resultados de decisões judiciais do STF. Diante desse cenário, reconhece-se que o Ministro Flávio Dino (STF) tenha se manifestado quanto ao entendimento que, entre outras violações e crime praticados, a ocultação de cadáver não pode ser considerada passível de prescrição tampouco de esquecimento, mas ainda consideramos um passo muito tímido em direção à consolidação da necessária justiça de transição, dada a importância da temática.
Reiteramos que não há possibilidade de falar em superação do legado da Ditadura e em uma experiência democrática plena quando há, de modo sistemático, a violação de direitos humanos e na qual setores da sociedade sejam sistematicamente mantidos fora do acesso a direitos sociais, políticos e civis efetivos. Esse entendimento conclama a uma união contra as sistemáticas violações de direitos humanos dirigidas às populações em situação de rua, à tentativa reiterada e secular de extermínio dos povos originários e das populações negras, de trabalhadores na cidade e no campo, contra os crimes e a violência contra a população LGBTQIAPN+. Exigimos a apuração dos crimes cometidos desde o golpe de 1964, 2016, a intentona fascista de 2023, até os dias atuais, incluindo os desaparecimentos forçados, as torturas e execuções sumárias realizadas pelas forças policiais e os crimes cometidos no que se refere ao combate à Covid-19 e gestão da pandemia no Brasil.
O 9o Encontro de Comitês e Comissões de Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste
gerou 5 Grupos de Trabalho (GT’s), chegando às seguintes deliberações:
GT 1 INSTRUMENTOS PARA REPARAÇÃO DA MEMÓRIA: MEMORIAIS, AMPLIAÇÃO DE ACERVOS E SUSTENTABILIDADE DOS ARQUIVOS PÚBLICOS
Fomentar a organização e preservação dos acervos da ditadura, por muito tempo relegados ao descaso com destruição proposital dos documentos;
Necessidade de mobilização da sociedade civil e de organizações como ANPUH (Associação Nacional de História) em defesa da valorização dos arquivos da ditadura;
Garantir que estes sejam espaços do fortalecimento da democracia, através da criação, desenvolvimento e êxito das Comissões da Verdade em cada Universidade;
Utilizar as ferramentas da Tecnologia da Informação e das redes sociais para ampliar o acesso aos documentos da repressão e da resistência, fomentando o conhecimento e o debate sobre o que significa um estado fascista;
Criação, difusão e propaganda de Memoriais da Democracia e Museus, ferramentas essenciais para avançar a luta em defesa de uma política de memória de Estado.
GT 2 COMISSÕES DA VERDADE E AS SUAS RECOMENDAÇÕES: O QUE SE CONCRETIZOU APÓS ENTREGA DOS RELATÓRIOS?
Acesso aos arquivos como garantia de direitos humanos e a importância de uma política arquivística;
Ressaltar a importância do cumprimento da lei de acesso à informação (Lei Nº 12.527/2011) e a abertura dos arquivos militares e os documentos de informação dos seus órgãos;
Articular a criação de leis que regulamentam a mudança de nomes de logradouros que homenageiam torturadores, golpistas e fascistas; proíbam a nomeação e homenagens aos mesmos;
Acompanhar junto aos órgãos competentes o cumprimento de leis que determinam a ressignificação de logradouros públicos com nomes de agentes da ditadura, já existentes na Paraíba e em outros estados;
Construir um mapa das Comissões de memória, verdade, justiça e reparação, identificando estados, municípios, universidades e entidades sindicais que ainda não possuem suas Comissões, fortalecendo as já existentes em caráter permanente em Estados e Municípios;
Elaborar materiais como livros e relatórios com o tema em formato simples, acessível e pedagógico para as escolas;
Articular a criação da Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos em níveis estadual e municipal.
GT 3 REINTERPRETAÇÃO DA LEI DE ANISTIA E MECANISMOS DE REPARAÇÕES COLETIVAS
Articular o envolvimento das organizações da sociedade civil nos processos em torno da reinterpretação da Lei de Anistia e dos pedidos de reparação coletiva, apresentando os interesses populares, desviando da burocracia de Estado a capacidade de decisão das medidas e aplicação de recursos;
Pressionar o Ministério Público para estabelecimento de data limite para a modificação de logradouros e espaços públicos que façam homenagem a agentes ativos e beneficiários da Ditadura;
Modificar a metodologia de responsabilizações de violações da perpetradas pela Ditadura, considerar a participação do Ministério Público do Trabalho para estruturar procedimentos de responsabilização empresarial;
Cobrar a execução do processo de identificação dos remanescentes ósseos das vítimas do massacre do Araguaia;
Pressionar a modificação do método de consideração das denúncias de violações advindas do campo, dada a precariedade de mobilização de provas e documentação das violações, considerando a possibilidade de pressionar à inversão do ônus da prova;
Apresentar apoio público ao Ministério Público, na pessoa de Fabiana Lobo, e à Defensoria Pública, na pessoa de Fernanda Peres, pela iniciativa de judicialização da mudança de logradouros na cidade de João Pessoa.
GT 4 EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA
Reafirmar o papel central da educação – formal e não formal – na defesa da memória, da verdade, da justiça e da dignidade humana;
Contar a história do autoritarismo de forma transversal, como forma de fortalecer uma cultura democrática baseada na valorização dos direitos humanos, da diversidade cultural e da justiça social;
Aplicar uma educação antifascista como eixo estruturante de nossas políticas educacionais, ancorada na formação crítica, no diálogo com a história das lutas sociais e no reconhecimento da resistência popular;
Participação estratégica das Comissões da Verdade, Comitês de Memória e entidades da sociedade civil na reelaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH);
Fortalecer ações conjuntas entre escolas, universidades, movimentos sociais, coletivos culturais e órgãos públicos, pautadas no diálogo com os sítios e lugares de memória e nas recomendações do relatório final da Comissão Nacional da Verdade;
Reafirmar nosso compromisso com uma educação que forme para a cidadania ativa, a consciência crítica e o respeito aos direitos humanos e do meio ambiente’. Educar para a democracia é educar para a vida, para a memória e para a transformação social.
GT 5 COMUNICAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO
Reivindicamos que a comunicação seja tratada como eixo estratégico transversal na luta por Memória, Verdade e Justiça;
Reivindicamos também que o Governo Federal considere a importância do fortalecimento de uma imprensa progressista e direcione parte das verbas públicas de publicidade e propaganda para os veículos dessa tendência, pois é inadmissível que, mesmo depois da comprovada atuação da imprensa corporativa em favor da ditadura militar e contra todas as gestões do PT e até o apoio massivo ao golpe de 2016, esses veículos continuem beneficiários da totalidade do orçamento federal para publicidade e propaganda do governo e suas estatais;
Criação de um calendário de reuniões mensais a partir de maio de 2025 do GT de Comunicação para discussão de um projeto de comunicação popular articulado entre os comitês e comissões, com formação e produção coletiva de conteúdo em favor da justiça de transição;
Formação de Observatórios de Comunicação para a Democracia;
Realização de oficinas de midiativismo;
Realização de um Seminário de Comunicação.
PELA PUNIÇÃO DE TODOS OS GOLPISTAS E FASCISTAS
DO GOLPE DE 1 DE ABRIL DE 1G64 E DE 08 DE JANEIRO DE 2023!
PELO IMEDIATO CUMPRIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, DAS COMISSÕES DA VERDADE ESTADUAIS, MUNICIPAIS E SETORIAIS!
SEM ANISTIA PARA GOLPISTA!
PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA,
João Pessoa, 13 de abril de 2025.
SUBSCREVEM:
Comitê Memória,
Verdade, Justiça,
Reparação e
Democracia -
Alagoas Comitê Memória, Verdade,
Justiça, Reparação
e Democracia -
Bahia Grupo
Tortura
Nunca
Mais
-
Bahia
Comitê Memória, Verdade,
Justiça, Reparação
e Democracia -
Ceará Comitê Memória,
Verdade, Justiça,
Reparação e
Democracia -
Maranhão Comitê
Memória, Verdade,
Justiça, Reparação
e Democracia -
Pará
Comitê paraibano Memória, Verdade e Justiça
Memorial da
Democracia da
Paraíba
Comitê de
Luta por
Memória, Verdade,
Justiça, Reparação
e Democracia - Pernambuco
Centro
Cultural
Manoel
Lisboa
de
Pernambuco
(CCML)
Comitê Memória,
Verdade, Justiça,
Reparação e
Democracia -
Rio Grande
do Norte
Pós
TV
DHnet Direitos
Humanos
RN
Comitê Memória,
Verdade, Justiça,
Reparação e
Democracia - Sergipe Comitê
Memória,
Verdade,
Justiça,
Reparação
e
Democracia
-
Teresinha
(PI)
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