quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Carta da Cidade de João Pessoa

3º Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil – 21 e 22 de novembro de 2015

“A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue”
Canción Por La Unidad de Latino America
– Chico Buarque

    O 3º Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, que contou ainda com a participação de outros coletivos que lutam pela preservação da memória, pela busca da verdade histórica e pela efetivação da justiça de transição, realizado em João Pessoa (PB), nos dias 21 e 22 de novembro de 2015, dedicado ao centenário de fecunda vida militante dos combatentes do povo Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, e Djalma Maranhão, prefeito de Natal cassado pelo golpe de 1964 e morto no exílio, no Uruguai, e aos líderes revolucionários Raimundo Ferreira Lima (Araguaia, PCdoB) e Thomaz Antonio da Silva Meirelles (ALN), torna pública a seguinte carta aberta aos brasileiros e brasileiras.
    Em que pesem todas as contradições, marchas e contramarchas da luta pelo resgate da memória e pelo restabelecimento da verdade sobre um dos períodos mais sombrios da história do Brasil – os 21 anos em que perdurou o Estado de terror, instalado em 1º de abril de 1964 – o relatório apresentado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 10 de dezembro de 2014, foi um marco histórico e uma conquista para os que se dedicam à causa da memória, da verdade e da justiça em nosso país.
    Desde então, o Estado brasileiro – e não apenas familiares de presos e desaparecidos políticos, movimentos da Igreja e da sociedade civil ou grupos de sobreviventes do período de terror – passou a reconhecer, de forma mais clara, a existência de graves violações de direitos humanos, cometidos por agentes da repressão em nome do Estado, resultando em prisões, sequestros, torturas, exílios, trucidamentos, assassinatos e ocultações de cadáveres de milhares de brasileiros que lutavam pelo restabelecimento da liberdade, da democracia e da soberania em nosso país.
    O Relatório da Comissão Nacional da Verdade não pode ser mero documento para adormecer nas estantes dos arquivos. É uma fonte viva, fundamental, para a aplicação da justiça de transição no Brasil e deve ser usado nas escolas, universidades, academias, em toda sociedade para que se estabeleça a completa identidade do Brasil e o seu reencontro com a sua própria história, bem como respaldar as ações no âmbito da Justiça.
    É dever de todos nós exigir que as 29 recomendações contidas no Relatório da CNV sejam transformadas em política de Estado e que estas sejam imediatamente colocadas em prática pelo governo brasileiro. Punir exemplarmente os agentes de Estado, empresas e pessoas envolvidas em tais crimes imprescritíveis e de lesa-humanidade, com um pedido de desculpas oficial das Forças Armadas à nação brasileira, revogar a Lei de Segurança Nacional e desmilitarizar as polícias militares são recomendações da CNV e exigências da sociedade civil organizada.
    É inaceitável que o governo de uma Chefe de Estado que sentiu na pele e na alma o ferrão do suplício nos porões do regime não dê consequências ao Relatório da CNV, divulgando-o o mais amplamente possível para que nunca caia no esquecimento e cumprindo integralmente suas resoluções.
  O cumprimento dessas recomendações, em especial a exemplar punição aos torturadores, torna-se muito mais necessário no momento em que essas mesmas forças golpistas ressurgem das catacumbas para tentar sabotar a ainda debutante democracia brasileira, pedindo aberta e cinicamente a volta da ditadura militar no Brasil. Não é fazendo concessões aos saudosos do fascismo, permitindo que permaneçam infiltrados nas instituições de Estado, que consolidaremos o processo democrático e evitaremos indesejáveis retrocessos.
    A maneira mais eficaz de combater os que pedem a volta da ditadura é aprofundando as denúncias dos crimes cometidos, como vêm fazendo, a despeito de todas as dificuldades materiais, os comitês e organizações pela memória, verdade e justiça espalhados pelo Brasil; é resgatando a memória dos que tombaram, homenageando-os com nomes de praças e logradouros; é construindo memoriais da resistência nos locais que serviam de centro de tortura e de assassinatos dos brasileiros e brasileiras; é prosseguindo com o trabalho de identificação dos desaparecidos políticos para sepultá-los com dignidade; é punindo exemplarmente todos os que cometeram crimes contra a humanidade.
   É preciso revolver minuciosamente esse passado recente, esclarecendo, julgando e condenando, para que seus tentáculos sejam cortados e não mais continuem ameaçando o presente, como acontece nos vários casos de desaparecimento, no extermínio da juventude pobre, negra e, em geral, dos moradores da periferia geográfica e social do Brasil.
    Ao mesmo tempo, é necessário o aprofundamento do intercâmbio e dos encontros do Movimento Memória, Verdade e Justiça do Brasil, nos moldes do que houve em Cajamar (SP) e dos Encontros Regionais, a fim de fortalecer nossos laços, disseminar as diversas experiências e assegurar o poder de pressão da sociedade civil sobre o governo, não só para garantir as conquistas já obtidas como para dar os passos efetivos rumo à justiça de transição e à consolidação da democracia brasileira.

- Pelo imediato cumprimento das recomendações do relatório da Comissão Nacional da Verdade!
- Punição aos golpistas e torturadores da ditadura militar fascista!
- Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!
Assinam esta carta:

Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Teresina
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Maranhão
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Alagoas
Grupo Tortura Nunca da Bahia
Movimento de Mulheres Olga Benario (Ceará)
Comissão Estadual da Verdade de Sergipe
Comissão Estadual da Verdade de Alagoas
Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara de Pernambuco
Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba
Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB
Associação Paraibana dos Estudantes Secundaristas (APES)
Sindicato dos Jornalistas da Paraíba
Grêmio Estudantil João Roberto Borges de Souza
Diretoria de Universidades Públicas da UNE

Realizado 3º Encontro de Comitês e Comissões pela MVJ-N/NE


Marcelo Santa Cruz Falando na mesa de Abertura
Contando com a presença de 80 participantes dos nove estados do Nordeste, realizou-se com grande êxito e unidade o 3º Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, nos dias 21 e 22 de novembro, em João Pessoa, capital da Paraíba, que recebeu o apoio fundamental da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba. Infelizmente, o evento não contou com participantes do Norte porque os coletivos da região não conseguiram levantar recursos e/ou apoio para as passagens aéreas.
Plenário do Encontro
Além de 55 participantes da Paraíba (João Pessoa e Campina Grande), fizeram-se presentes 35 pessoas representando os Estados do  Maranhão (Comitê MVJ); Piauí (Comitê MVJ de Teresina), Ceará (Movimento de Mulheres Olga Benario); Rio Grande do Norte (Comitê MVJ), Pernambuco (Comitê MVJ e Comissão Estadual Dom Helder Câmara); Alagoas (Comitê MVJ e Comissão Estadual); Sergipe (Comissão Estadual); e Bahia (Grupo Tortura Nunca). Da Paraíba, estiveram presentes o Comitê MVJ, a Comissão Estadual da Verdade, a Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa, o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB, o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPB, a OAB-PB, a Associação Paraibana dos Estudantes Secundaristas (APES), o Sindicato dos Jornalistas da Paraíba e uma comitiva de professores e estudantes da Escola Estadual João Roberto Borges de Souza. Contamos ainda com as participações de Jessé Samá, diretor da UNE, e do ex-presidente das Ligas Camponesas da Paraíba e deputado estadual cassado pelo golpe Francisco de Assis Lemos. Dentre os participantes, ainda destacamos a diversidade de militantes de várias organizações políticas, como PSOL, PT, PSB, PDT, PCB, PCdoB, PCR, Levante Popular da Juventude e Unidade Popular Pelo Socialismo (UP).

Palestra de Adriano Diogo
No dia 21, pela manhã, contamos com as brilhantes intervenções de Adriano Diogo, ex-preso político e ex-deputado estadual por SP, que presidiu a Comissão da Verdade Rubens Paiva, e da pesquisadora Ana Paula Brito, paraibana que reside em São Paulo, onde faz doutorado na PUC e integra a equipe do Memorial da Resistência. Suas palestras se concentraram na cobrança pelo cumprimento das recomendações do Relatório Final da CNV (VER POSTAGEMe na necessidade de multiplicar os sítios de memória pelo Brasil.
Olga Miranda no Informe da Comissão da Verdade
de Alagoas
À tarde, cada coletivo presente teve a oportunidade de socializar suas experiências de luta, audiências públicas e oitivas realizadas, palestras em escolas públicas, debates nas universidades, etc., bem como suas dificuldades de atuação sem apoio institucional. À noite, exibimos o documentário "Carlos Marighella - Quem samba fica, quem não samba vai embora", com a presença do diretor do filme Carlos Pronzato.

Comissão da Verdade da Paraíba
No domingo, encerrando as atividades, foram declamadas diversas poesias revolucionárias, e livros sobre a ditadura foram lançados, seguindo-se as homenagens ao centenário de nascimento de Francisco Julião (dirigente nacional das Ligas Camponesas e Deputado Federal, cassado pelo golpe de 1964) e de Djalma Maranhão (prefeito de Natal, cassado pelo golpe e exilado no Uruguai, onde morreu), e ao Thomaz Meirelles (amazonense, dirigente da ALN, assassinado pela ditadura), ao João Roberto Borges de Souza (líder estudantil assassinado em 1969) e a todas as mulheres que lutaram contra a ditadura militar fascista (homenagem feita pelo Movimento de Mulheres Olga Benario).

Anacleto Julião na Homenagem a Francisco Julião
Antônio Augusto de Almeida - Comitê MVJ PB






Por fim, foram aprovadas as resoluções do Encontro:

1. Duas moções: uma de solidariedade ao companheiro do Comitê MVJ de Alagoas, Magno Francisco, presente ao evento, vítima de ameaças de morte por denunciar o assassinato de seu primo de 17 anos, Davi da Silva; e outra em homenagem à companheira Zilda Xavier Pereira, falecida no dia 22, militante do PCB, dirigente da ALN, que enfrentou a tortura, exílio e a dolorosa perda de seus filhos Iuri, Alex Xavier, do genro Arnaldo Cardoso e a prisão e torturas da sua filha Iara, sobrevivente dos porões da ditadura, todos dignos guerrilheiros do socialismo e da justiça social, diante do informe do seu falecimento, todo o plenário, de pé, aplaudiu, por um minuto, sua história de coerência revolucionária exemplar.

2. Sede e data do 4º Encontro: a ser realizado em Natal (RN), no último final de semana de abril de 2017.

3. Carta da Cidade de João Pessoa: contendo um profundo balanço sobre a conjuntura nacional, pontuando especialmente as questões da luta pela memória, verdade e justiça no Brasil. (VER POSTAGEM)
Edival Nunes Cajá - Comitê MVJ PE



Assim, em nome da Coordenação Executiva do 3 º Encontro, formada pelos Comitês MVJ da Paraíba, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, cumprimentamos a todos que participaram ou contribuíram para a vitoriosa realização desta importante atividade, certos de que cumprimos nosso papel em mobilizar e articular os coletivos e setores sociais do Norte e do Nordeste, sempre tendo em vistas o fortalecimento do Movimento pela Memória, Verdade e Justiça no Brasil. 
Roberto Monte - Comitê MVJ RN

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Nem Justiça, nem reconciliação: reflexões sobre a Comissão Nacional da Verdade no Brasil

Renan Quinalha - São Paulo - 12/11/2015 - 17h08

A CNV foi capaz de atender, parcialmente, às demandas por verdade das vítimas sem atingir, frontal mente, Interesses dos herdeiros da ditadura.

No final de 2014, em meio a um clima de intensa polarização pós- eleitoral e de pífias manifestações por uma intervenção militar, encerraram-se os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Criada pela Lei n. 12.528/2011 e instituída efetivamente em maio de 2012 com o objetivo de apurar as graves violações de direitos humanos cometidas entre 1946 até 1988, o marco final da CNV materializou-se na entrega do relatório circunstanciado de suas atividades para a Presidenta Dilma Rousseff.

O objetivo deste texto não é fazer uma análise do extenso relatório. Antes, trata-se de fazer uma análise do processo que levou à criação da CNV à luz das determinações mais gerais da transição brasileira, dos caminhos por ela escolhidos em seu funcionamento e realizar um balanço - ainda que preliminar e influenciado pelo calor de acontecimentos tão recentes - de suas realizações e, sobretudo, de seus limites.

A busca da verdade em relação aos crimes da ditadura não começou com a CNV e tampouco se encerrou com a entrega do relatório na solenidade oficial do dia 10 de dezembro de 2014. A comissão apenas constitui um capítulo privilegiado, por um lado, da incansável luta dos familiares dos desaparecidos políticos desde o final da ditadura e, por outro, das ainda precárias políticas públicas da democracia brasileira relativas ao trabalho de memória e justiça em relação aos crimes da ditadura.
Essas lutas pela reparação histórica ficaram à margem da agenda política da redemocratização, com todas as lideranças privilegiando outras pautas e celebrando o discurso vazio da “reconciliação nacional” para a governabilidade da então “jovem e frágil” democracia.

As elites políticas que estiveram à frente da transição, apesar da mobilização popular que disputou o ritmo e a intensidade da redemocratização, entendiam que qualquer passo mais ousado no sentido de desenterrar o passado e responsabilizar os autores dos crimes da ditadura poderia resultar no rompimento da transição negociada e concretizar a ameaça de uma regressão autoritária. Um medo que se demonstrou falso e que provocou, em última instância, uma paralisia dos agentes pró-democráticos.

Desse modo, a democracia se instituiu a partir de uma empreitada de co- gestão do novo regime político, em um condomínio que se edificava mais sobre as fundações do que sobre os escombros da ditadura que se encerrava na forma de uma política gradativa de distensão e de abertura.

Nesse sentido, Florestan Fernandes assinalou com perspicácia o lema da transição: "se concedo, não cedo", como a fórmula implícita da relação democrática que a ditadura desentranhou de dentro de si mesma.
A escolha pelo caminho da impunidade, pelo esquecimento seletivo e pela política de silenciamento, feita ainda na ditadura e renovada em diferentes governos e em distintos graus durante a democracia, cobrou sua fatura: persistem práticas autoritárias e ampliam-se zonas de exceção no Brasil atual.

E essa transição à brasileira, negociada pelo alto, controlada pelas forças do regime autoritário, lenta e duradoura imprimiu suas marcas não apenas à democracia, mas também à Comissão Nacional da Verdade, cujos limites e avanços serão examinados a seguir.

Onde ficou a justiça?

Um dos temas mais críticos na passagem da faixa presidencial de Lula para Dilma era a criação de uma Comissão da Verdade. A proposta original, que constava no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), de 21 de dezembro de 2009, era de criação de uma comissão da verdade que tivesse a dimensão de realizar - ou ao menos incentivar - alguma forma de justiça em relação aos crimes apurados.

Não à toa, constava da redação original da Diretriz 25, expressamente, a tarefa de "suprimir do ordenamento jurídico brasileiro eventuais normas remanescentes de períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e os preceitos constitucionais sobre Direitos Humanos”.

Nesse exato momento, a interpretação da Lei da Anistia (Lei n. 6683/1979) que garantia a impunidade estava sendo desafiada perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADPF n. 153, e também perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pela iniciativa dos familiares de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia (Caso Gomes Lund e outros).

Apesar de sintonizada com os padrões do direito internacional dos direitos humanos e afinada com as práticas adotadas em outros países do Cone Sul, a formulação adotada nesse documento gerou enorme celeuma, estremecendo a relação entre o governo e os setores militares em grau nunca visto desde a transição.

Diante da resistência desses setores, alguns internos ao próprio governo, corno os Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, houve a edição, por parte do Presidente Lula, do Decreto n. 7177, de 12 de maio de 2010, alterando o PNDH-3.

Houve um recuo programático justamente nos temas de direitos humanos mais politizados e que provocavam maior tensionamento, mostrando o poder de veto dos grupos conservadores. As alterações que foram efetuadas são sintomáticas para se compreender o mandato e o contexto da Comissão Nacional da Verdade.

Uma leitura comparativa entre os textos original e final revela a supressão de expressões como "repressão ditatorial", "regime de 1964- 1985", "resistência popular à repressão", "pessoas que praticaram crimes de lesa humanidade" e "responsabilização criminai sobre casos que envolvam atos relativos ao regime de 1964 - 1985".

Esse confronto terminológico revela que o abrandamento discursivo do governo se orientou por três preocupações. A primeira é a de que as medidas de reparação fossem diluídas em um período histórico mais largo, sem identificação direta com a ditadura; a segunda era de que as violações aos direitos humanos não fossem punidas e tampouco caracterizadas como crimes contra humanidade, insuscetíveis de graça, anistia e prescrição; por fim, uma terceira preocupação foi para deslocar as medidas do campo da ação imediata para o do debate público, com uma formulação mais vaga e menos vinculante. Não por outra razão, a menção a ações de responsabilização criminal na primeira versão do texto foi substituída apenas pela responsabilização civil.

No entanto, o amplo 'consenso' pela Comissão da Verdade foi capaz de atender, parcialmente, às demandas por verdade das vítimas sem atingir, frontalmente, os interesses dos setores defensores e herdeiros da ditadura. Assim, a criação da Comissão logo se tornou ponto pacificamente aceito por todas as forças políticas representadas no Congresso Nacional.

O direito à verdade surgiu, desse modo, tardiamente em nosso país e como uma saída intermediária diante das pressões antagônicas sofridas pelo governo: por um lado, perpetuar o silenciamento e a política do esquecimento não mais era possível, dado a mobilização da sociedade e a cobrança internacional sobre o Estado brasileiro que foi condenado no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos; por outro, levar a julgamento os responsáveis pelos crimes ou mesmo atribuir maiores poderes à CNV significaria uma afronta aos setores conservadores e militares.

A despeito das diversas críticas que foram formuladas pelos familiares de desaparecidos políticos e pelas vítimas da ditadura brasileira, a Lei n. 12.528 de 2011 manteve os recuos que foram apontados, tirando a justiça do horizonte e abusando do termo “reconciliação”.
No fim, prevaleceu uma postura pragmática no sentido de aprovar o quanto antes e de qualquer jeito a Comissão, deixando alguns aspectos mais polêmicos, capazes de causar maior desgaste político, para um segundo momento, o que dificultou o trabalho da comissão, como se verá.

Saiu a justiça, sobrou a verdade?

Mais de seis meses passaram da aprovação da lei até a efetiva instalação da CNV, no dia 16 de maio de 2012, em uma cerimônia com todos os ex-presidentes da Nova República para escancarar o amplo acordo negociado. Na platéia, pouco à vontade, estavam os chefes militares que logo demonstrariam claramente o pouco apreço que nutriam pela iniciativa.

Sem consultar os familiares de desaparecidos políticos, a Presidenta nomeou pessoas de prestígio em suas trajetórias para a CNV. Algumas com pouca experiência no campo dos direitos humanos e um excesso de juristas, mas sete membros de diferentes matizes ideológicas poderiam conferir a necessária legitimidade de partida da CNV.

No entanto, justamente por esse amplo arco político e por essa notoriedade dos indicados, houve grande dificuldade para a comissão deslanchar e alcançar uma dinâmica de grupo capaz de colocar em diálogo as “diferentes comissões da verdade” que cada um deles tinha em sua mente.

Uns achavam que era necessário apurar as violências cometidas pelo “outro lado”, como se referiam aos grupos de luta armada, incorrendo em injustificável adesão à chamada “teoria dos dois demônios”, como se as Forças Armadas com todo o poder material e militar do Estado pudessem ser equiparadas com a ação de guerrilha. Outros repeliam essa perspectiva, emplacando a posição que posteriormente foi consolidada no sentido de que somente as violações de direitos humanos praticadas por agentes da ditadura fossem objeto dos trabalhos.

A CNV editou um número inexpressivo de resoluções para formalizar os entendimentos internos ao grupo e regular seu funcionamento de modo transparente para a sociedade.

A dificuldade de convergir em temas centrais implicou uma especialização de cada um dos membros com assessores próprios em determinadas agendas em seus grupos de trabalho, demorando para engrenar uma característica de colegiado.
Sem um plano de trabalho claro e uma metodologia bem definida, cada um ficou à vontade para trabalhar as pautas com as quais tinha afinidades pessoais ou profissionais. Isso significou um progressivo descolamento dos membros entre si, destituindo a atuação de unidade e de coerência.

Por óbvio, a divisão funcional do trabalho era inevitável e até necessária, mas ela acabou se impondo de modo muito precoce e pouco planejado na CNV, como uma fuga para o desafio de enfrentar as discussões coletivas entre as diferentes concepções da comissão. Essa falta de clareza foi agravada pelo modelo de coordenação rotativa, com mudanças até de secretaria-executiva em meio aos conflitos.
Além disso, a ausência de uma política de participação e de diálogo com setores da sociedade civil organizada, que exigiam debates públicos periódicos, gerou enorme desgaste para a imagem CNV, que sofria duras críticas dos familiares dos desaparecidos e dos ex-presos políticos.

As mesmas dificuldades se deram em relação a pesquisadores que pretendiam fazer uma análise dos trabalhos em curso, sem que tivessem a devida acolhida. Tal traço de contingência e de seletividade levou para o lado pessoal relacionamentos que deveriam ser mediados institucionalmente.

A desarticulação institucional e de gestão, a falta de acúmulo coletivo sobre questões elementares e a ausência de definições quanto aos processos decisórios da CNV desde o início fizeram com que conflitos entre membros, apesar de naturais e até positivos, fossem tão mal administrados internamente que terminaram com exposição negativa e enfraquecimento da própria comissão.

Exemplo disso ocorreu quanto à divergência em torno do método de trabalho e de apresentação de resultados da CNV. Enquanto uns entendiam ser fundamental dar publicidade aos relatórios parciais de pesquisa para sensibilizar a sociedade durante o processo de busca da verdade, outros entendiam ser mais efetivo o sigilo nos trabalhos para reservar ao relatório final as maiores descobertas, a fim de que este alcançasse o maior impacto possível na opinião pública.

Ambos os entendimentos têm suas razões e mereceriam um debate qualificado. Mas, ao invés disso, a falta de canais internos capazes de encaminhar essas divergências, aliada à escassez de pontos de partida minimamente consensuais dentro do grupo, culminaram com a conturbada saída de Cláudio Fonteles em junho de 2013, instaurando uma crise que chegou a repercutir mais, em determinado momento, do que o próprio trabalho da CNV.
Outra divergência, que tomou proporções enormes, dizia respeito à pertinência ou não da CNV se envolver com a discussão relativa à punição dos torturadores da ditadura. Posições públicas dos comissionados foram anunciadas em sentidos diametralmente opostos, alimentando intrigas e confusões, como a saída do jornalista Luiz Cláudio Cunha, sobre um tema sobre o qual já há condenação do Estado brasileiro da Corte Interamericana.

Esses problemas, com o afastamento por motivo de saúde de Gilson Dipp em abril de 2013, fizeram com que a CNV funcionasse durante todo o tempo com um ou dois membros a menos em relação aos sete previstos na lei, número já considerado insuficiente diante da magnitude da tarefa que lhe cabia.

Assim, a comissão demorou para engrenar e ter coesão interna. Mas teve ainda mais dificuldades para coordenar as iniciativas locais e regionais, oficiais ou da sociedade civil, de busca da verdade.

Com efeito, a proliferação de iniciativas complementares à comissão, dedicando-se a universidades, sindicatos, órgãos dê classe, entes federativos foi algo muito positivo. Contudo, a CNV não foi capaz de assumir seu papel de liderança e protagonismo no complexo nacional de comissões e comitês que surgiram. Chegou até a promover encontro e iniciativas conjuntas com algumas comissões, mas não houve uma divisão organizada de trabalho e um compartilhamento de banco de dados e de métodos de investigação.

A deficiência no diálogo ficou evidente na polarização da CNV com a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, que sempre trabalhou em audiências públicas abertas. No caso da apuração do caso Juscelino Kubistchek, ficou evidente uma incapacidade de diálogo com outras comissões e pessoas interessadas no assunto, tendo chegado até o Judiciário o embate entre comissões.

Também ficou a desejar a relação interinstitucional da CNV com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia, que já detinham acervos relevantes de informações. Em especial, o Ministério Público Federal sentiu, por vezes, sua atuação ser atravessada pela CNV sem uma preocupação desta em coordenar as iniciativas coincidentes para não prejudicar as investigações criminais em andamento, como no caso do Rubens Paiva.

Mas é certo que a atuação da CNV não merece apenas críticas. Reconhecimentos e elogios também precisam ser registrados em um balanço cuidadoso.

Nunca antes em nosso país, o tema das violações de direitos humanos praticadas pelo Estado recebeu tanta atenção oficial e logrou tamanha repercussão na sociedade. Depois da CNV, uma complexa rede nacional foi constituída para garantir a efetivação do direito à verdade e isso gerou uma mobilização interessante no país.

Nesse sentido, o papel pedagógico e de educação em direitos humanos foi fundamental. Em meio à efeméride do cinqüentenário do golpe de 1964, esses agentes que orbitavam em torno da CNV organizaram eventos culturais, intervenções políticas, escrachos contra torturadores, debates em escolas dentre outras ações. Tudo isso logo após as manifestações de junho de 2013, quando os vínculos da ditadura com a repressão militarizada das polícias na ruas ficaram evidentes, permitindo um salto importante de consciência nas lutas sociais.

Ainda vale destacar que a CNV deu uma enorme contribuição para repensarmos nossa relação com o passado de violências, o que despertou, por exemplo, propostas de comissões da verdade dedicadas especificamente aos crimes da escravidão ou mesmo às chacinas e violências policiais do presente.

A CNV também demonstrou estar sensível a demandas de alguns setores marginalizados ao se abrir a temas ainda pouco explorados, conferindo novos contornos ao alcance da repressão política e, portanto, ampliando a categoria de “vítimas” da ditadura para além da resistência armada.

Isso se materializou na preocupação de tratar das vítimas invisibilizadas nas narrativas hegemônicas, tais como os indígenas, os camponeses, as mulheres por sua condição de gênero, as pessoas LGBT e outros marcadores sociais de diferença foi um avanço nas formulações sobre a reparação histórica em nosso país.

A comissão aprendeu, gradativamente e graças à pressão dos movimentos sociais, a trabalhar com transparência, realizando audiências públicas e prestando contas de suas atividades em praticamente todo o território nacional. Ela foi conseguindo cumprir com o tempo, ainda que de modo incipiente e pressionada, o papel de abrir um espaço oficial de escuta capaz de acolher e conferir legitimidade à versão das vítimas e seus familiares, recuperando dé forma mais sistemática essas memórias.

Também usou bem, ainda que poucas vezes, a prerrogativa exclusiva atribuída por lei de indicar a autoria das violações de direitos humanos, confrontando publicamente os perpetradores com as acusações e elementos de prova.

A divulgação de relatórios parciais e temáticos, prática adotada sobretudo no último ano de funcionamento, foi um passo importante na compreensão do caráter reparatório do processo de busca da verdade em si e não apenas pelos resultados eventualmente alcançados.

Com instrumentos de comunicação que se sofisticaram progressivamente, a presença da CNV nas mídias tradicionais e nas redes sociais foi-se intensificando, atingindo setores cada vez mais amplos da opinião pública. Em determinados momentos, como nas revelações sobre o assassinato de Rubens Paiva, o tema ocupou posição central dos noticiários televisivos e dos jornais impressos.

A prática não levou à perfeição, mas certamente permitiu uma melhora significativa da atuação da comissão e provocou imediatas reações, quando os limites dos trabalhos da CNV emergiram com maior nitidez.

O boicote das Forças Armadas: a verdade como inimiga

À medida que seus trabalhos avançavam, os bloqueios de interdição ao passado que foram instaurados durante a transição para uma democracia tutelada se impunham. A CNV teve de amargar as consequências de seus próprios êxitos, ainda que limitados.

“Não vou comparecer. Se virem. Não colaboro com o inimigo” escreveu o oficial da reserva José Conegundes na convocatória que recebeu para prestar depoimento perante a comissão. Por sua vez, a negativa mais elegante do general José Brant Teixeira foi acompanhada da seguintes resposta: “segundo orientação do Comando do Exército, as convocações devem partir daquela autoridade”.

O respaldo para essas atitudes veio do general Enzo Martins Peri, que exerce o Comando do Exército. Em ofício de 25 de fevereiro de 2014, ele ordenou a todas unidades do Exército que lhe encaminhassem as requisições de documentos recebidas de todos os Poderes da República.

Ele avocou para si o controle sobre o que poderia vir à tona, valendo-se de sua posição institucional como instrumento de filtro e de veto no processo de construção da verdade que depende - e muito - da colaboração das Forças Armadas.

O general baixou essa ordem logo após a CNV ter requerido ao Ministro da Defesa, Celso Amorim, a instauração de sindicância para apurar desvio de finalidade de sete instalações militares utilizadas como centros de tortura.

No entanto, meses depois, em um relatório de centenas de páginas em conclusão às sindicâncias, as Forças Armadas reincidiram no negacionismo e concluíram que “não se verificou o alegado desvio de finalidade”.

Mas ficou pior. De maneira bastante sintomática, às vésperas da entrega do relatório final da CNV, uma inspeção do MPF junto da Polícia Federal no Hospital do Exército no Rio de Janeiro localizou prontuários médicos do período da ditadura que foram ocultados das Comissões da Verdade. Na diligência, o que é mais grave, foi identificada uma pasta com nomes e fotografias dos membros da CNV.

O ofício, as sindicâncias forjadas, o boicote sistemático, as negativas cínicas, as sucessivas recusas, a vigilância sobre as comissões e as afrontas abertas apenas coroam uma postura recorrente na relação entre civis e militares na redemocratização brasileira. As Forças Armadas sempre se negaram a assumir a responsabilidade que lhes cabe pelas violências da ditadura e nunca pediram desculpas à Nação.

Essas atitudes revelam que quando a CNV começou a desafiar a tutela das corporações militares e dos setores civis saudosos da ditadura, o bloqueio se impôs. Sem condições políticas para realizar os embates necessários para avançar, a CNV se viu isolada institucionalmente e deslegitimada publicamente por um Poder Executivo omisso e um Poder Judiciário que respalda a impunidade.

Nem justiça, nem reconciliação

No momento em que aprendia a fazer o trabalho, com maior coesão interna e linha política definida, tensionando publicamente com as corporações militares e, o exíguo prazo de funcionamento da CNV se exauriu sem que o impasse com as Forças Armadas tivesse sido sequer reconhecido pelo governo.

A Presidenta Dilma, em seu discurso do dia 1o de abril de 2014, lembrou os mortos e desaparecidos, mas fez questão de ressaltar seu compromisso com os pactos e acordos da redemocratização, em clara referência à Lei de Anistia.

Ela confundiu respeito à autonomia da CNV, o que é imprescindível, com a sua própria omissão diante da crise institucional entre a comissão e as Forças Armadas, que exigia uma ação do Poder Executivo para empoderar uma iniciativa de seu próprio governo. Ao deixar essa mediação a cargo do Ministério da Defesa, que mais respalda do que submete os comandos militares, abandonou a CNV em posição de impotência e de descrédito.

Desdenhada por setores militares, quando não afrontada, a CNV teve de se legitimar por conta própria em um governo que não tomou para si o desafio de levar adiante os conflitos necessários para a apuração das graves violações de direitos humanos.

Os mesmos acordos e a lógica da governabilidade que possibilitaram a instituição da CNV de acordo com o pacto da reconciliação também selaram os limites do seu funcionamento. O que nenhum governo democrático teve força ou vontade política para fazer ficou relegado à comissão: alterar a correlação de forças com os setores que sustentaram a ditadura para aprofundar a democratização do Estado e da sociedade, submetendo as corporações militares ao poder civil.

Agora, com o fim da CNV, espera-se que seu relatório ajude a insuflar a indignação e a repulsa da sociedade às práticas de violência do passado e às posturas autoritárias desses setores ainda no presente, para que essa experiência possa se converter em melhora efetiva da qualidade de nossa democracia.

Renan Quinalha tem formação em Direito e em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu o Mestrado em Sociologia do Direito e, atualmente, cursa o Doutorado em Relações Internacionais. É membro da diretoria do Grupo de Estudos sobre internacionalização do Direito e Justiça de Transição (IDEJUST), do Conselho de Orientação Cultura do Memorial da Resistência e foi assessor da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva"'. Publicou o livro intitulado "Justiça de Transição: contornos do conceito” (Dobra/Expressão Popular; 2013) e, junto com James Green, organizou o livro “Ditadura e Homossexualidades” (EdUFSCar, 2014).

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Lançamento do livro: Dossiê Itamaracá

Livro Dossiê Itamaracá, vencedor da 2ª ed. do Prêmio Memórias Reveladas do Arquivo Nacional, será lançado em Recife no dia 24 de novembro

Jogar luz para investigar as histórias de clandestinidade, prisão e resistência, mobilização e solidariedade, greves de fome e luta por liberdade de um casal de sergipanos, de um coletivo de presos políticos na ilha de Itamaracá, em Pernambuco, de mulheres nordestinas, de jovens brasileiros durante a ditadura na década de 70.

Esses são os temas revelados pelo livro Dossiê Itamaracá, da jornalista e historiadora sergipana Joana Côrtes, que será lançado em Recife no dia 24 de novembro (terça-feira), na Livraria Cultura do Paço Alfândega. Fruto da dissertação de mestrado em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a pesquisa ganhou a 2ª edição do Prêmio Memórias Reveladas do Arquivo Nacional.

A partir da pesquisa em acervos, sobretudo nos arquivos pessoais de ex-presos políticos e do DOPS de Pernambuco,  a autora percorreu meticulosamente fotografias, diários de greves de fome, correspondências, jornais da época, atrás de indícios, anotações, carimbos e  silêncios – igualmente provocadores de sentido – para compreender como um coletivo de presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, em Pernambuco, resistiu e atuou, entre 1973 e 1979, para integrar e fortalecer os movimentos pela anistia no período de luta pela abertura política e fim dos 21 anos de ditadura civil-militar (1964-1985) no país.

Presos políticos em Itamaracá, anos 70.
 De pé: a partir da esquerda:
 Arlindo Felipe, Francisco de Assis Barreto Filho, Francisco Peixoto,
Alanyr Cardoso, Antonio Ricardo Braz, José Calixtrato Cardoso,
 Alberto Vinícius Nascimento e José Adeildo Ramos.
Agachados:
Samuel Firmino, Marcelo Mario de Melo, João Bosco Rolemberg Cortes,
Rholine Sonde, José Pedro da Silva, Valmir Costa e Carlos Alberto Soares
[fonte: http://acervohistorico.emilianojose.com.br]
Dossiê é, sobretudo, um livro sobre incomôdos, silêncios e "refazimentos" afetivos e históricos. É reencontro com a memória pessoal da própria autora, que sempre soube muito pouco sobre os anos em que seus pais, os sergipanos Bosco Rolemberg e Ana Côrtes, viveram clandestinos como militantes da Ação Popular e como presos políticos em Pernambuco, na década de 1970.

No ano em que o Brasil completa trinta anos que saiu de uma ditadura civil-militar de 21 anos (1964-1985), e há menos de um ano que divulgou o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, com as apurações das violações de direitos humanos ocorridas no período dos anos de chumbo, Dossiê Itamaracá faz parte dessa safra de pesquisas  semeadas e colhidas nos últimos cinco anos, na discussão e busca por Memória, Verdade e Justiça.

Dossiê Itamaracá

Através de um vasto acervo de cartas e fotografias, pertencente a ex-presos políticos, entrevistas, diários de greve de fome e cerca de mil páginas dos relatórios de vistorias de visita do Dops-PE, atualmente salvaguardadas no Arquivo Público Estadual de Pernambuco, Dossiê Itamaracá se aprofunda no cotidiano e nos mecanismos de resistências dos presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo, entre 1973 e 1979. O livro estuda o período que compreende o início do funcionamento da prisão na ilha de Itamaracá, após a desativação da Casa de Detenção do Recife, até 1979, ano da "Anistia".

Dossiê traz como jovens, a maioria entre 20 e 30 anos, que ficaram até dez anos na prisão, provenientes de diversas organizações de esquerda como Ação Libertadora Nacional (ALN), Ação Popular, VAR-Palmares, Ligas Camponeses, PCBR e PCdoB sobreviveram ao período de clandestinidade e  escaparam da morte após as torturas nos porões das Forças Armadas e se refizeram e se organizaram para resistir e lutar pela liberdade nas celas do Nordeste do país.

É Itamaracá que puxa a primeira greve de fome nacional no Brasil, entre 17 de abril e 9 maio de 1978. Juntos por um objetivo específico - a quebra do isolamento carcerário de dois presos políticos, Carlos Alberto Soares e Rholine Sonde Cavalcanti - Pernambuco vai receber adesões da maioria das mulheres e homens presos políticos do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará e Minas Gerais.

A partir daí, a repressão aperta, a mobilização ultrapassa as celas pelas mãos das mulheres mães e companheiras dos presos políticos,  a solidariedade se amplia e presos políticos, familiares, exilados e organizações da sociedade civil - como OAB, parlamentares de oposição setores progressistas da Igreja e o recém-criado Comitê Brasileiro de Anistia -, saem mais articulados e fortalecidos na luta por Anistia Ampla Geral e Irrestrita.

Dossiê é, sobretudo, um livro sobre incomôdos, silêncios e "refazimentos" afetivos e históricos. É reencontro com a memória pessoal da própria autora, que sempre soube muito pouco sobre os anos em que seus pais, os sergipanos Bosco Rolemberg e Ana Côrtes, viveram clandestinos como militantes da Ação Popular e como presos políticos em Pernambuco, na década de 1970.

Por trauma ou por direito, pouco disseram sobre o dilaceramento e as perdas, a dor e as torturas, o cotidiano da clandestinidade e da prisão, o aprendizado e o amadurecimento pessoal e político desse período, e o quanto foi, ainda é tão difícil quanto importante se colocarem sobre as próprias pernas após a reabertura política do país, a partir de 1985.

Dossiê Itamaracá é, portanto e também, reencontro com a história coletiva, com o passado e o presente de um país que, como tantos outros da América Latina, vive ainda, cinquenta anos depois do golpe civil-militar, sob os efeitos da violência herdada dos 21 anos de ditadura.

Depois de ter sido lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo, Dossiê aporta em Aracaju e segue para o Recife, onde será lançado dia 24 de novembro na livraria Cultura do Paço da Alfândega.

Sobre a autora

Joana Côrtes (1980) é jornalista e historiadora. Nasceu e cresceu em Aracaju (SE) e é filha dos ex-presos políticos Ana Côrtes e Bosco Rolemberg.  Foi curadora da exposição coletiva Anistiados: couro esquecido, em 2009, realizada na Galeria Álvaro Santos, em Aracaju.

Graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e trabalhou como repórter nas redações de jornais sergipanos.  É especialista em arte-educação pela Universidade de são Paulo (USP) e mestra em História Social pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), com a dissertação que rendeu o prêmio da segunda edição do Memórias Reveladas. Desde 2013, é jornalista da TV Brasil, na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em São Paulo, onde vive desde 2009.


Sobre o Prêmio Memórias Reveladas

O Prêmio é concedido a cada dois anos a trabalhos monográficos feitos com base nas fontes documentais referentes ao regime civil-militar no Brasil. Iniciativa do Arquivo Nacional no âmbito do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil - Memórias Reveladas, instituído pela Casa Civil da Presidência da República, em 2009, como resultado de diversas ações de governo voltadas para o fortalecimento de políticas públicas de valorização do patrimônio histórico documental e de aperfeiçoamento da cidadania e da democracia em nosso país.

SERVIÇO

Lançamento+bate-papo com a autora: Dossiê Itamaracá
Data: 24/11/2015
Horário: 19h
Local: Livraria Cultura Paço da Alfândega
Rua Madre de Deus, s/n. Recife Antigo.
Contato Imprensa:  11 9888519 (Joana Côrtes)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Convocatória para o 3º Encontro de Comitês e Comissões do Movimento Memória, Verdade, e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil

CONVITE

A Comissão Executiva formada pelo Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça, Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco e Comitê Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte, por meio desta convocatória, formaliza o convite para o 3º Encontro dos Comitês e Comissões do Movimento Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, a ser realizado nos próximos dias 21 e 22 de novembro, em João Pessoa, capital da Paraíba.

Buscando dar continuidade de forma coerente às resoluções do 1º e 2º Encontros, realizados em 2013 e 2014, em João Pessoa e Recife, respectivamente, convocamos sua terceira edição.

“Um dos maiores atos de resistência da humanidade é o resgate, a valorização e a preservação da memória individual e coletiva sobre a qual se assentam os elementos fundamentais e necessários à construção de uma sociedade que tenha a verdade como instrumento basilar para se constituir justa, buscando a igualdade como valor universal entre os semelhantes.” (Carta do Recife, 2014)

Assim, entendemos que o 3º Encontro do Norte e Nordeste deve ser um espaço privilegiado para trocarmos experiências e discuti-las fraternalmente, com o objetivo de fortalecer o nosso trabalho de enfrentamento das demandas e lutas estaduais, regionais e nacionais, em função das graves implicações da conjuntura nacional nas situações e contradições locais. É também um fórum especial em que os sobreviventes da resistência ao golpe de 1964 e ao fascismo, em conjunto com os que seguem mantendo nossas bandeiras erguidas, ajudarão a reconstruir a memória histórica dos combates de classes do nosso povo por sua emancipação da secular exploração e opressão e reverenciar os verdadeiros heróis caídos em combates, muitos sob indescritíveis torturas, outros exilados, todos merecedores das homenagens que nossos Comitês e Comissões lhes prestam nestas ocasiões, como fizemos no 1º Encontro, com João Pedro Teixeira, Manoel Lisboa e Carlos Marighella; e no 2º Encontro, dedicado ao camarada Abelardo da Hora e novamente a Carlos Marighella.

Djalma Maranhão
Francisco Julião
Este é o ano do centenário de Djalma Maranhão e de Francisco Julião, dois expoentes nordestinos das lutas sociais e pelo fim da ditadura militar fascista, que, juntamente com Raimundo Ferreira Lima, o Gringo (PCdoB), e Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto (ALN), lideranças revolucionárias do Norte, serão nossos homenageados.

Há quase um ano, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou seu relatório final, que trouxe 29 recomendações, identificou e reconheceu como torturadores mais de trezentos agentes do Estado – incluindo os cinco generais ditadores –, trouxe também o indicativo de responsabilização criminal dos responsáveis pelas graves violações dos direitos humanos em 21 anos de ditadura a partir da reinterpretação da Lei da Anistia de 1979, como também a desmilitarização das polícias militares.

Raimundo Ferreira Lima
(Gringo)
Thomaz Antônio da Silva
Meirelles Neto
A ausência do cumprimento dessas recomendações exige da sociedade civil, dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, dos Comitês, Comissões, militantes e dos partidos políticos comprometidos com as causas libertárias que assumam o legado deixado pela CNV e aprofundem a luta pela construção da verdadeira justiça de transição no Brasil.

Inclusive, muitas lacunas ainda precisam ser preenchidas neste relatório. Pesquisas feitas por jornalistas e historiadores (não aproveitadas no relatório da CNV e recentemente divulgadas) dão conta de que toneladas de arquivos secretos do regime continuam intactas e escondidas sob a guarda dos militares. Também a CNV apontou para o massacre dos povos indígenas na região amazônica e de militantes de base do movimento camponês, elevando, assim, o número de brasileiros mortos pela ditadura para milhares ao invés centenas, muitos dos quais sem qualquer documento ou identificação, a não ser o testemunho dos seus próprios familiares.

É tarefa do Movimento Memória, Verdade e Justiça pautar estas questões, não dando trégua e cobrando a punição dos culpados para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça. Este é o compromisso que assumimos com a realização do 3º Encontro das Regiões Norte e Nordeste.

Realização:
Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte

Apoio:
Comissão Estadual da Verdade da Paraíba
Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB
Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano da Paraíba


Programação do 3º Encontro dos Comitês e Comissões do Movimento Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil

21 e 22 de novembro – João Pessoa – PB


•    21 de novembro de 2015:

08h00 às 09h00 – Credenciamento dos participantes.

09h00 às 10h00 – Mesa de abertura sob a coordenação do CMVJ-PB, com a participação de um representante de cada Comissão e Comitê presente, além de esclarecimentos e encaminhamentos sobre o desenvolvimento do encontro.

10h00 às 12h00 – Debate: “Desafios da luta pela Memória, Verdade e Justiça no Brasil após o Relatório da CNV” (o que fazer para pôr em prática as recomendações), por Adriano Diogo, ex-preso político, ex-presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva de São Paulo e ex-deputado estadual de São Paulo (PT); e “Os processos de memorialização da ditadura no Brasil hoje”, por Ana Paula Brito, doutoranda na PUC-SP e integrante do Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo.

12h00 às 14h00 – Almoço.

14h às 18h00 – Informes e debates sobre as experiências e lutas dos Comitês e Comissões presentes, mais apresentação de temas específicos, como: 1. Questão do campo na Paraíba e Pernambuco: 60 anos das Ligas Camponesas (CMVJ-PB e CMVJ-PE); 2. Gestão de Djalma Maranhão em Natal: “De pé no chão também se aprende a ler” (CMVJ-RN); 3. Genocídio indígena na região amazônica pela ditadura militar fascista, lançamento do livro pelo seu autor e membro do CMVJ-AM, Egydio Shwade (CMVJ-AM); 4. A questão da impunidade do Araguaia (CMVJ e Comissão da Verdade do Pará); 5. Demais experiências de lutas presentes.

18h00 às 19h30 – Jantar.

19h30 às 20h00 – Lançamentos de livros.

20h00 às 22h00 – Exibição do filme “Carlos Marighella – Quem samba fica, quem não samba vai embora”, com presença do diretor Carlos Pronzato, seguida de debate.


•    22 de novembro de 2015:

07h00 às 08h30 – Café da manhã.

09h00 às 10h30 – Homenagens (breve apresentação da história dos homenageados): centenário de Francisco Julião, dirigente nacional das Ligas Camponesas; centenário de Djalma Maranhão, prefeito cassado de Natal pelo golpe de 1964; Raimundo Ferreira Lima, o Gringo (PCdoB), líder camponês em Conceição do Araguaia (Pará) e assassinado há 35 anos; Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto, amazonense, dirigente da ALN assassinado sob tortura pela ditadura.

11h00 às 13h00 – Apresentação, debates e aprovação das propostas e da Carta de João Pessoa; escolha da sede e da data do 4º Encontro.

13h00 – Almoço e confraternização final.


domingo, 1 de novembro de 2015

Convocatória para o 3º Encontro de Comitês e Comissões do Movimento Memória, Verdade, e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil

 CONVITE

A Comissão Executiva formada pelo Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça, Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco e Comitê Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte, por meio desta convocatória, formaliza o convite para o 3º Encontro dos Comitês e Comissões do Movimento Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, a ser realizado nos próximos dias 21 e 22 de novembro, em João Pessoa, capital da Paraíba.

Buscando dar continuidade de forma coerente às resoluções do 1º e 2º Encontros, realizados em 2013 e 2014, em João Pessoa e Recife, respectivamente, convocamos sua terceira edição.

Um dos maiores atos de resistência da humanidade é o resgate, a valorização e a preservação da memória individual e coletiva sobre a qual se assentam os elementos fundamentais e necessários à construção de uma sociedade que tenha a verdade como instrumento basilar para se constituir justa, buscando a igualdade como valor universal entre os semelhantes.” (Carta do Recife, 2014)

Assim, entendemos que o 3º Encontro do Norte e Nordeste deve ser um espaço privilegiado para trocarmos experiências e discuti-las fraternalmente, com o objetivo de fortalecer o nosso trabalho de enfrentamento das demandas e lutas estaduais, regionais e nacionais, em função das graves implicações da conjuntura nacional nas situações e contradições locais. É também um fórum especial em que os sobreviventes da resistência ao golpe de 1964 e ao fascismo, em conjunto com os que seguem mantendo nossas bandeiras erguidas, ajudarão a reconstruir a memória histórica dos combates de classes do nosso povo por sua emancipação da secular exploração e opressão e reverenciar os verdadeiros heróis caídos em combates, muitos sob indescritíveis torturas, outros exilados, todos merecedores das homenagens que nossos Comitês e Comissões lhes prestam nestas ocasiões, como fizemos no 1º Encontro, com João Pedro Teixeira, Manoel Lisboa e Carlos Marighella; e no 2º Encontro, dedicado ao camarada Abelardo da Hora e novamente a Carlos Marighella.

Este é o ano do centenário de Djalma Maranhão e de Francisco Julião, dois expoentes nordestinos das lutas sociais e pelo fim da ditadura militar fascista, que, juntamente com Raimundo Ferreira Lima, o Gringo (PCdoB), e Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto (ALN), lideranças revolucionárias do Norte, serão nossos homenageados.

Há quase um ano, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou seu relatório final, que trouxe 29 recomendações, identificou e reconheceu como torturadores mais de trezentos agentes do Estado – incluindo os cinco generais ditadores –, trouxe também o indicativo de responsabilização criminal dos responsáveis pelas graves violações dos direitos humanos em 21 anos de ditadura a partir da reinterpretação da Lei da Anistia de 1979, como também a desmilitarização das polícias militares.

A ausência do cumprimento dessas recomendações exige da sociedade civil, dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, dos Comitês, Comissões, militantes e dos partidos políticos comprometidos com as causas libertárias que assumam o legado deixado pela CNV e aprofundem a luta pela construção da verdadeira justiça de transição no Brasil.

Inclusive, muitas lacunas ainda precisam ser preenchidas neste relatório. Pesquisas feitas por jornalistas e historiadores (não aproveitadas no relatório da CNV e recentemente divulgadas) dão conta de que toneladas de arquivos secretos do regime continuam intactas e escondidas sob a guarda dos militares. Também a CNV apontou para o massacre dos povos indígenas na região amazônica e de militantes de base do movimento camponês, elevando, assim, o número de brasileiros mortos pela ditadura para milhares ao invés centenas, muitos dos quais sem qualquer documento ou identificação, a não ser o testemunho dos seus próprios familiares.

É tarefa do Movimento Memória, Verdade e Justiça pautar estas questões, não dando trégua e cobrando a punição dos culpados para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça. Este é o compromisso que assumimos com a realização do 3º Encontro das Regiões Norte e Nordeste.

Realização:

Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça

Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco

Comitê Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte

Apoio:

Comissão Estadual da Verdade da Paraíba

Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa

Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB

Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano da Paraíba

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

sábado, 22 de agosto de 2015

Considerações e Deliberações sobre o III Encontro dos Comitês e Comissões de Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste

1. O II Encontro realizado em Recife (PE), em 22 e 23 de novembro de 2014, foi uma demonstração de acúmulo de forças e unidade na caminhada pela memória, verdade e justiça. Momento estruturado para analisarmos a conjuntura nacional, e, sobretudo, regional, e seu impacto em nossos estados, momento de partilha de nossas ações exitosas e, acima de tudo, de fortalecimento de nossa esperança na luta por um País mais democrático.

2. Apesar do lançamento do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em dezembro de 2014, denunciando os generais-presidentes e torturadores da ditadura militar, como criminosos, diferentemente do que ocorre em países como Chile, Uruguai e Argentina, o governo intimida-se diante das forças reacionárias do nosso país, a ponto de enterrar com honras de Estado o General Leônidas Pires, carrasco da liberdade e dos direitos humanos no Brasil. Para repelir o cenário de retrocesso na luta pela afirmação da Memória, Verdade e Justiça no Brasil em nosso país a sociedade organizada precisa responder a todo e qualquer insulto à memória da nação, que ameaçam a justiça de transição em nossa pátria. 

3. Foi nesse contexto que surgiu o marco político-estratégico de nossa intervenção coletiva, a "Carta do Recife", documento que surge em bom tempo e deve ser respeitado por ser uma orientação coletiva para nossa luta prática, com vistas a não abrirmos mão do que, a tanto custo, já foi sistematizado e conquistado em termos de articulação regional. 

4. Neste mesmo encontro, foi aprovado que o CMVJ-CE envidaria os esforços necessários para que o III Encontro Norte e Nordeste de Comitês e Comissões de Memória, Verdade e Justiça pudesse ser realizado no Ceará. Tal iniciativa, deliberada, por unanimidade, em assembleia, teve como intuito dar continuidade ao fortalecimento de nossa articulação regional e favorecer o comprometimento de outros estados na realização desta ação prioritária. Mais uma vez, afirmamos que as questões específicas evocadas pela "Carta do Recife" devem nortear todo o propósito do encontro, perpassando assim por uma coerência entre este documento e a programação, a temática central, convidados(as) para as explanações e a metodologia de participação dos membros dos Comitês. Indispensável se faz, ainda, como na realização do I e do II Encontros, a construção de uma Coordenação Executiva do evento, integrada com representação de três Comitês de estados diferentes, de modo a assegurar a democracia no interior do nosso Movimento Memória, Verdade e Justiça, a sua experiência e continuidade. Entretanto, o CMVJ-CE nada disso vem cumprido, pelo contrário.

5. É sabido que um evento deste porte demanda, para além dos recursos materiais envolvidos, um alto nível de respeito às contribuições dos coletivos, construindo-se o mesmo de forma dialógica, participativa e democrática. O potencial de disponibilidade dos demais Comitês das regiões Norte e Nordeste em colaborar diretamente na construção de cada Encontro é uma marca belíssima das edições anteriores e que reafirma o elo propositivo que nos envolve enquanto coletivo.

6. Diante da comunicação do CMVJ-CE ao Comitê de Pernambuco fixando a realização do nosso tão esperado III Encontro nos dias 26 e 27 de agosto (quarta e quinta-feira), em pleno meio de semana, com o argumento de que realizaria um possível Encontro Nacional no mesmo lugar, cidade do Crato (CE), no final de semana, respondeu-se firmemente que tal improviso não poderia obter bons resultados, acabaria prejudicando um ou ambos os encontros, Além disto, os demais estados não poderiam se deslocar no meio de semana em função das atividades de trabalho de cada um dos integrantes dos nossos Comitês.
  1. A deliberação em Assembleia Geral – que por si só é determinativa e soberana – acolheu a iniciativa do Ceará com o propósito único da realização do III Encontro Norte e Nordeste de Comitês e Comissões de Memória, Verdade e Justiça. Não cabe, portanto, mudança do objeto ou alteração do modo de articulação política sem a consulta da Assembleia Geral. Apenas isso já é o suficiente para se repensar toda a proposta;
  2. Ainda que tais eventos ocorressem em momentos distintos, terminaria inviabilizando a participação dos presentes nas distintas agendas da programação, o caráter político de articulação das regiões Norte e Nordeste se perderia em meio à confusão dos propósitos, correndo-se o risco de não ofertar êxito a nenhum dos dois espaços;
  3. Queremos dizer que, para se ter impacto da nossa articulação verdadeiramente nacional, o Encontro Nacional dos Comitês deverá ocorrer em Brasília (DF), São Paulo ou Rio de Janeiro, visando a pressionar o Governo Federal para a criação do órgão responsável pela efetivação e monitoramento das recomendações da CNV e não no Crato (CE), que, para as regiões Norte e Nordeste representa lugar de encontro e caminho de meio estratégico e simbólico no processo de interiorização de nosso debate e de nossa luta;
  4. Ademais, e por fim, consideramos importante a vertente acadêmica apresentada pelo CMVJ-CE na proposta inicial de programação, diante da realização de evento deste porte em uma universidade. Todavia, não sentimos proximidade assertiva dos temas sugeridos, pois, subestima o elevado valor da troca de experiências e o aprofundamento das discussões da memória, verdade e justiça das nossas duas regiões, não pautando o significado para todos nós de que este é o ano do centenário de Francisco Julião e Djalma Maranhão, o debate sobre a elucidação dos crimes hediondos da ditadura no Araguaia, dos indígenas da região Amazônica, da experiência e acervo das Comissões da Verdade da Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Natal, Maranhão, Pará, de Sergipe (recém criada) e do próprio Ceará e ainda da disponibilidade dos acervos dos advogados(as) Mércia Albuquerque (PE), Vanda Sidou (CE) e Nizi Marinheiro (PB), bem como a socialização do uso destas inúmeras e preciosas informações acerca dos crimes da ditadura militar ainda em poder de algumas organizações e entidades ligadas ao nosso trabalho de memória, verdade e justiça. Enfim, algo que desconsidera e desrespeita por completo os companheiros e companheiras que suaram na formulação da Carta do Recife (PE), de Cajamar (SP) e de Vila Velha (ES). 
7. Em função do posicionamento intransigente do CMVJ-CE, que, mesmo após saber das convictas opiniões contrárias de vários comitês (Teresina, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas) à realização do nosso evento no meio da semana e a falta de democracia quanto à organização, natureza e pauta do nosso Encontro, e, exatamente para garantir as deliberações da Assembleia dos Comitês N/NE dos dias 22-23/11/14, os CMVJ de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, reunidos no dia 02/08/2015 na cidade de João Pessoa, resolvem:
  1. Reorganizar a Coordenação Executiva, composta pelos CMVJ-PE, CMVJ-PB e CMVJ-RN sempre ouvindo os demais estados para viabilizar, com segurança, unidade e pleno êxito, a nossa atividade tão indispensável para a conquista do direito à memória, à verdade e à justiça que tem o nosso povo e, especialmente, os familiares dos nossos mortos e desaparecidos políticos que tombaram heroicamente pela causa da justiça social e da liberdade e cujos algozes ainda não foram levados aos tribunais para pagar pelos seus hediondos crimes de lesa-humanidade, que são imprescritíveis, preservando o caráter do Encontro.
  2. Deve essa executiva se reunir com regularidade suficiente para garantir a realização do III Encontro N/NE, ainda no segundo semestre de 2015, conforme as decisões do II Encontro.
  3. Sugere levar em conta a possibilidade do III Encontro ser realizado nos dias 21 e 22 de novembro, data de aniversário da realização do II Encontro a ser realizado no estado da Paraíba. 
8. - Por último, nos colocamos completamente à disposição para, em momento adequado, em comum acordo com os Comitês MVJ do país, a colaborar ativamente na realização do Encontro Nacional, convocado por um fórum representativo de caráter nacional, onde os propósitos nacionais e as estratégias conjunturais mais amplas e mais democráticas demandarão discussões, participação e empenho dos Comitês das regiões, Sudeste, Centro Oeste, Sul, Norte e Nordeste.
Com nossas saudações revolucionárias e pela realização da memória, verdade e justiça no Brasil.
Comitê Memória Verdade e Justiça-PE,
Comitê Memória Verdade e Justiça-PB,
Comitê Memória Verdade e Justiça -RN,
Comitê Memória Verdade e Justiça-BA
Comitê Memória Verdade e Justiça-PA
Comitê Memória Verdade e Justiça-AM
Comitê Memória Verdade e Justiça -Teresina (PI),
Comitê Memória Verdade e Justiça -SE (em construção),
Comitê Memória Verdade e Justiça -AL (em construção).

João Pessoa-PB, 02 de agosto de 2015
(documento enviado por Roberto Monte)

terça-feira, 5 de maio de 2015

Cândido Pinto de Melo - Presente !!!

Cândido Pinto de Melo
Com a presença de familiares de Cândido Pinto; de militantes políticos; de estudantes; da Deputada Federal, pelo PC do B, Luciana Santos, e integrantes da União dos Estudantes de Pernambuco - entidade, no passado, presidida por Cândido; de Henrique Mariano da Comissão Estadual de Memória e Verdade Dom Helder Câmara e do Vice-prefeito Luciano Siqueira, foi recolocada a placa em homenagem a Cândido Pinto de Melo no mesmo local em que no dia 28 de abril de 1969 sofreu uma tentativa de sequestro e foi baleado por integrantes das forças de repressão da ditadura militar, tornando-se paraplégico. 
Placa
(clique na foto para ver em maior resolução)
Diversas foram as manifestações dos que usaram a palavra - em comum todas destacaram a atuação política e a dedicação de Cândido Pinto de Melo à construção de uma sociedade justa e solidária, tanto na militância político-partidária propriamente dita como na militância na luta a favor da inclusão das pessoas com deficiência.


Merece destaque a manifestação de Marcelo Mário de Melo que, ao encerrar seu pronunciamento, com a sensibilidade dos poetas comprometidos com a criação de um mundo novo, declamou, de sua autoria, o seguinte poema:

BANDEIRAS


As nossas bandeiras
devem estar sempre
içadas
inteiras
e limpas.

Bandeiras
sujas e rasgadas
somente
pela força dos ares
do suor
ou do sangue
das campanhas.

É preciso proteger
nossas bandeiras
contra os ratos
e o mofo
das gavetas.

As nossas bandeiras
não são para ficar
o ano todo guardadas
expostas apenas
em dias de festa.

Elas devem tremular
sempre
no alto dos mastros
e nas nossas andanças
de todo dia.

Assim
passando de mão a mão
de geração a geração
as nossas bandeiras
vão ficando gastas.

E de tempos em tempos
nós as substituiremos
por outras iguais
de panos novos.

E elas se olharão
como fazem
os avós e os netos.

E ficaremos todos satisfeitos
vendo as nossas bandeiras
renovadas
desfraldadas
inteiras
e limpas.