terça-feira, 29 de novembro de 2011

OS DESAPARECIDOS!!!



OS DESAPARECIDOS

De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas, estranhamente.
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluiam
- mal ligavam o tôrno do dia.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Desaparecia-se a olhos vistos
e não era miopia. Desaparecia-se
até a primeira vista. Bastava
que alguém visse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes esvaneciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, rarefeitos, constatar no além,
como os pescadores partiam.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro, e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo
- desapareciam.

Se fosse ao tempo da Bíblia, eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto, em pânico, fingiam
que não viam. Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.

Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
- nas salas e mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos boiavam
- na sopa do presidente.

As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
- no que viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.

O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome. O nome
habita as vísceras da fera
Como a vítima corrói o algoz.

E surgiam sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.

Brotavam troncos de árvores,
rios, insetos e nuvens em cujo porte se viam
vestígios dos que sumiam.

Os desaparecidos, enfim,
amadureciam sua morte.

Desponta um dia uma tíbia
na crosta fria dos dias
e no subsolo da história
- coberto por duras botas,
faz-se amarga arqueologia.

A natureza, como a história,
segrega memória e vida
e cedo ou tarde desova
a verdade sobre a aurora.

Não há cova funda
que sepulte
- a rasa covardia.
Não há túmulo que oculte
os frutos da rebeldia.

Cai um dia em desgraça
a mais torpe ditadura
quando os vivos saem à praça
e os mortos da sepultura.

Affonso Romano de Sant'anna

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Homenagem do CMVJ-PE à Carlos Marighella



LIBERDADE

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome

Carlos Marighella
(Salvador, 5/12/1911 – São Paulo, 4/11/1969)

* Poema escrito em São Paulo, no Presídio Especial, no ano de 1939.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

As comissões que levaram a paz ao Chile







Jornal do Commercio
Data: 05/11/2011
Editoria: Política

AS COMISSÕES QUE LEVARAM A PAZ AO CHILE

MEMÓRIA Quatro Comissões da Verdade foram instaladas no Chile, que serviram para passar a limpo a história das vítimas do ditadura

Ayrton Maciel
amaciel@jc.com.br

Indenização para sobreviventes e parentes de mortos e desaparecidos, pensão vitalícia para viúvas e mães, liberação do serviço militar para filhos de mortos e desaparecidos que não queiram servir e facilidade de acesso às universidades, criação de um sistema de saúde pública – com assistência psicológica – para vítimas, familiares e membros das comissões de investigação, fundação do Instituto de Direitos Humanos Memória Viva, e reparação simbólica por meio de monumentos nacionais representando a resistência. Com cerca de quatro mil mortos e desaparecidos, a República do Chile conseguiu fazer um reencontro com sua história, trazendo à luz os escombros e o obscurantismo da ditadura militar do general Augusto Pinochet (1973/1990).

O balanço faz parte dos resultados de quatro Comissões da Verdade que o Estado e a sociedade chilena patrocinaram para passar a limpo o passado recente do país e fazer prevalecer a verdade. A história real – contada agora pelos chilenos – foi apresentada, ontem, pela professora de Filosofia da Universidade Católica do Chile, Roberta Bacic, que integrou a segunda comissão, em debate promovido pelo Gajop - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares do Recife.

A experiência chilena fez parte da discussão sobre as perspectivas e desafios da Comissão da Verdade brasileira, aprovada pelo Congresso Nacional, que vai investigar as violações dos direitos humanos no País, entre 1946 e 1988 (ano da Constituição), mas em especial os crimes da ditadura de 1964. Na mesma condição da Comissão do Brasil, as quatro do Chile não tiveram poder para punir assassinos e torturadores. Assim, coube ao povo chileno punir publicamente com a exposição dos algozes. “Com as informações e identificações, familiares puderam recorrer à Justiça e a sociedade civil pedia a punição em faixas e cartazes. Tudo sem violência e sem ofensas”, destacou Roberta Bacic.

A primeira Comissão Nacional da Verdade e Conciliação do Chile foi criada em 1990, por decreto do presidente Patricio Aylwin – primeiro eleito pós-Pinochet –, para investigar desaparecimentos e execuções políticas.

Em 1993, o Congresso do Chile aprovou a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação, trabalho concluído em 1996. “Havia uma dívida com os sobreviventes. Eles testemunharam a tortura de muitos desaparecidos. Mais de 35 mil pessoas foram ouvidas”, relatou Roberta.

De 2004 a 2006, a terceira Comissão apurou as prisões e as torturas políticas. A última, iniciada em 2010, foi encerrada dia 11 de agosto passado, com a investigação de 100 casos pendentes de desaparecidos.

Comissão da Verdade: Perspectivas e Desafios

O Comitê Estadual de Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco convida todas e todos para o Debate: "Comissão da Verdade: Perspectivas e desafios". Os palestrantes serão Roberta Bacic, membro da primeira Comissão da Verdade do Chile, e Maurice Politi, do Núcleo de Preservação da Memória Política/SP. O evento será realizado na próxima sexta-feira, dia 04 de novembro, a partir das 14h, na sede do GAJOP.

Participe!

Comitê da Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco programa novas ações


O Comitê da Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco de reuniu nesta segunda- 29.08, para avaliar o lançamento do mesmo e programar os próximos passos de organização e atividades. Os integrantes consideraram positiva a repercussão e ressaltou a presença em massa de estudantes secundaristas.
Consta na pauta, a participação:

07 DE SETEMBRO - GRITO DOS EXCLUIDOS
(concentração na Praça Oswaldo Cruz, na Boa Vista, Recife)

28 DE SETEMBRO
Evento político em Caruaru que afixará placa em homenagem ao companheiro Raimundo Benevides,
morto em chacina na Serra das Russas pela repressão da ditadura. Saída prevista Recife/Caruaru, às 8h.

30 DE SETEMBRO
Acompanhar a Caravana da Anistia que estará em Recife – PE

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Lançamento do Comitê de Memória, Verdade e Justiça de PE

Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR
23/08/2011 | 17h16 | Ditadura


Foi lançado hoje em Pernambuco o Comitê Memória, Verdade e Justiça, que luta pela abertura dos documentos do período da ditadura militar e para levar ao banco dos réus aqueles que desrespeitaram os direitos humanos durante o regime. "No golpe de 1964 aproximadamente 470 personalidades do movimento sindical, estudantil e intelectualidade, 10 mil exilados, 22 mil torturados e tudo isso está impune", afirmou o ex-preso político, sociólogo e presidente do Centro Cultural Miguel Lisboa, Edaval Nunel Cajar.

O lançamento do comitê foi realizado no Centro Cultural Rossi Alves Couto, do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). E o tom dos discursos foi de crítica à anistia ampla, geral e irrestrita. “O conteúdo, aparentemente apaziguador, da Lei da Anistia, na prática, esconde os interesses dos grupos dominantes e torna-se responsável por várias violações dos direitos humanos, entre os quais a impunidade e a ausência do direito à memória, à verdade e à justiça”, declarou Marcelo Santa Cruz. Ele foi interrompido, diversas vezes, com aplausos dos presentes.

O procurador-geral MPPE, Aguinaldo Fenelon, presente ao evento, manifestou apoio do órgão: “Estamos abrindo as portas do espaço que dispomos como forma de fortalecimento da cidadania, porque é importante olhar para o passado para se ver bem no futuro”, disse ele. Segundo Fenelon, a comissão tem um objetivo importante de esclarecer e resgatar toda a verdade, para que não fique impune aqueles que torturaram e deixaram uma “mancha” na cidadania brasileira.

Por Gean França, especial para o Diario