quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Carta da Cidade de João Pessoa

3º Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil – 21 e 22 de novembro de 2015

“A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue”
Canción Por La Unidad de Latino America
– Chico Buarque

    O 3º Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, que contou ainda com a participação de outros coletivos que lutam pela preservação da memória, pela busca da verdade histórica e pela efetivação da justiça de transição, realizado em João Pessoa (PB), nos dias 21 e 22 de novembro de 2015, dedicado ao centenário de fecunda vida militante dos combatentes do povo Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, e Djalma Maranhão, prefeito de Natal cassado pelo golpe de 1964 e morto no exílio, no Uruguai, e aos líderes revolucionários Raimundo Ferreira Lima (Araguaia, PCdoB) e Thomaz Antonio da Silva Meirelles (ALN), torna pública a seguinte carta aberta aos brasileiros e brasileiras.
    Em que pesem todas as contradições, marchas e contramarchas da luta pelo resgate da memória e pelo restabelecimento da verdade sobre um dos períodos mais sombrios da história do Brasil – os 21 anos em que perdurou o Estado de terror, instalado em 1º de abril de 1964 – o relatório apresentado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 10 de dezembro de 2014, foi um marco histórico e uma conquista para os que se dedicam à causa da memória, da verdade e da justiça em nosso país.
    Desde então, o Estado brasileiro – e não apenas familiares de presos e desaparecidos políticos, movimentos da Igreja e da sociedade civil ou grupos de sobreviventes do período de terror – passou a reconhecer, de forma mais clara, a existência de graves violações de direitos humanos, cometidos por agentes da repressão em nome do Estado, resultando em prisões, sequestros, torturas, exílios, trucidamentos, assassinatos e ocultações de cadáveres de milhares de brasileiros que lutavam pelo restabelecimento da liberdade, da democracia e da soberania em nosso país.
    O Relatório da Comissão Nacional da Verdade não pode ser mero documento para adormecer nas estantes dos arquivos. É uma fonte viva, fundamental, para a aplicação da justiça de transição no Brasil e deve ser usado nas escolas, universidades, academias, em toda sociedade para que se estabeleça a completa identidade do Brasil e o seu reencontro com a sua própria história, bem como respaldar as ações no âmbito da Justiça.
    É dever de todos nós exigir que as 29 recomendações contidas no Relatório da CNV sejam transformadas em política de Estado e que estas sejam imediatamente colocadas em prática pelo governo brasileiro. Punir exemplarmente os agentes de Estado, empresas e pessoas envolvidas em tais crimes imprescritíveis e de lesa-humanidade, com um pedido de desculpas oficial das Forças Armadas à nação brasileira, revogar a Lei de Segurança Nacional e desmilitarizar as polícias militares são recomendações da CNV e exigências da sociedade civil organizada.
    É inaceitável que o governo de uma Chefe de Estado que sentiu na pele e na alma o ferrão do suplício nos porões do regime não dê consequências ao Relatório da CNV, divulgando-o o mais amplamente possível para que nunca caia no esquecimento e cumprindo integralmente suas resoluções.
  O cumprimento dessas recomendações, em especial a exemplar punição aos torturadores, torna-se muito mais necessário no momento em que essas mesmas forças golpistas ressurgem das catacumbas para tentar sabotar a ainda debutante democracia brasileira, pedindo aberta e cinicamente a volta da ditadura militar no Brasil. Não é fazendo concessões aos saudosos do fascismo, permitindo que permaneçam infiltrados nas instituições de Estado, que consolidaremos o processo democrático e evitaremos indesejáveis retrocessos.
    A maneira mais eficaz de combater os que pedem a volta da ditadura é aprofundando as denúncias dos crimes cometidos, como vêm fazendo, a despeito de todas as dificuldades materiais, os comitês e organizações pela memória, verdade e justiça espalhados pelo Brasil; é resgatando a memória dos que tombaram, homenageando-os com nomes de praças e logradouros; é construindo memoriais da resistência nos locais que serviam de centro de tortura e de assassinatos dos brasileiros e brasileiras; é prosseguindo com o trabalho de identificação dos desaparecidos políticos para sepultá-los com dignidade; é punindo exemplarmente todos os que cometeram crimes contra a humanidade.
   É preciso revolver minuciosamente esse passado recente, esclarecendo, julgando e condenando, para que seus tentáculos sejam cortados e não mais continuem ameaçando o presente, como acontece nos vários casos de desaparecimento, no extermínio da juventude pobre, negra e, em geral, dos moradores da periferia geográfica e social do Brasil.
    Ao mesmo tempo, é necessário o aprofundamento do intercâmbio e dos encontros do Movimento Memória, Verdade e Justiça do Brasil, nos moldes do que houve em Cajamar (SP) e dos Encontros Regionais, a fim de fortalecer nossos laços, disseminar as diversas experiências e assegurar o poder de pressão da sociedade civil sobre o governo, não só para garantir as conquistas já obtidas como para dar os passos efetivos rumo à justiça de transição e à consolidação da democracia brasileira.

- Pelo imediato cumprimento das recomendações do relatório da Comissão Nacional da Verdade!
- Punição aos golpistas e torturadores da ditadura militar fascista!
- Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!
Assinam esta carta:

Comitê Paraibano Memória, Verdade e Justiça
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Teresina
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Maranhão
Comitê Memória, Verdade e Justiça de Alagoas
Grupo Tortura Nunca da Bahia
Movimento de Mulheres Olga Benario (Ceará)
Comissão Estadual da Verdade de Sergipe
Comissão Estadual da Verdade de Alagoas
Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara de Pernambuco
Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba
Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB
Associação Paraibana dos Estudantes Secundaristas (APES)
Sindicato dos Jornalistas da Paraíba
Grêmio Estudantil João Roberto Borges de Souza
Diretoria de Universidades Públicas da UNE

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